A CESSÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A cessão de crédito, prevista no art. 286 e seguintes do Código Civil, pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor, sujeito ativo de uma obrigação, transfere a outrem, no todo ou em parte, a sua posição na relação obrigacional.[1]

A princípio, todo e qualquer crédito pode ser objeto de cessão de direito, esteja ele vencido ou não, salvo oposições inerentes natureza do crédito, legais ou convencionadas com o devedor.

Também devem ser observados os requisitos para validade do negócio jurídico, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado e forma prescrita ou não defesa em lei, tal como disposto no art. 104 do Código Civil.

Ressalte-se ainda, que a Lei 11.101/05 admite expressamente a cessão de crédito pelo credor, não exigindo qualquer anuência da empresa recuperanda, contudo, dispõe o artigo 83, parágrafo 4º, que “Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários”.

Em geral, a cessão de crédito implica abrange todos os seus acessórios, incluindo eventuais preferências (Código Civil arts. 287 e 349), contudo, na hipótese de crédito trabalhista em recuperações judiciais e falências do empregador, a lei especial excepciona a regra, pois, o cessionário não conserva o privilégio do credor original e o crédito cedido é reclassificado como quirografário.

Fábio Ulhoa Coelho em sua doutrina ajuda a esclarecer a motivação protecionista do legislador:

Ao excepcionar a regra geral da transmissão da preferência, a lei quer, na verdade, proteger o empregado. Ao determinar a reclassificação para baixo do crédito, ela praticamente inviabiliza a formação do mercado de aquisição dos créditos trabalhistas devidos na falência. Se a lei não abrisse a exceção, especuladores teriam interesse em assediar os empregados credores para dele adquirirem, com deságio significativo, o crédito. Os empregados, normalmente expostos a sérias dificuldades em razão da falência do empregador, seriam presas fáceis nas mãos desses especuladores. Ao determinar a reclassificação para baixo, a lei desestimula tais negociações e protege os titulares de crédito trabalhista.[2]

A regra também já foi ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça [3]que destaca que a condição ‘de empregado’ do titular do crédito trabalhista é justamente a circunstância personalíssima que justifica o privilégio legal conferido ao respectivo crédito.

Assim, como a preferência legal deriva da condição pessoal do titular e não do crédito propriamente dito, quando da sua cessão a terceiro estranho à relação, o crédito será reclassificado como quirografário.

No entanto, a questão assume controvérsia quando se fala em sub-rogação do crédito trabalhista por credor subsidiário ou solidário, que se dá quando terceiro solve a obrigação trabalhista, nesta hipótese, compulsoriamente por determinação judicial ou, ainda, por execução forçada.

É certo que o $ 4º do art.83 dispõe especificamente sobre cessão, nada mencionando sobre a sub-rogação. Além disso, deve ser considerado que na sub-rogação o pagamento não é voluntário, pelo contrário, é imposto em razão da subsidiariedade ou solidariedade. Assim, ainda que a lei seja omissa, parece-nos que o credor sub-rogante deve manter os privilégios do credor trabalhista original. Contudo, tal solução não é pacífica.

Também é controverso o entendimento sobre o direito de voto do credor cessionário ou sub-rogado. Poderiam eles exercer tal direito durante as Assembleias de Credores, decidindo temas como aprovação do plano de recuperação judicial?

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[4] já se manifestou no sentido de que o direito de voto é um acessório do direito de crédito, e não um direito personalíssimo, de modo que o direito de voto poderia ser exercido. No entanto, por ser um direito processual, necessário que estejam presentes certos requisitos positivos, tal como a devida habilitação do crédito, bem como a inexistência de qualquer impedimento, tais como os previstos no art. 43 da Lei de Recuperações Judiciais e Falências.

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[1]TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2012. único. p. 380.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 238.
[3] REsp 1.526.092⁄SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄3⁄2016, DJe 1º⁄4⁄2016 e AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 818.764/SP Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, julgado em 07/06/2016.
[4] Câm. Recuperações e Falências, AI nº 431.567-4/0-00, rel. Des. Pereira Calças, j. 15.3.2006. No mesmo sentido, confira-se, da mesma Câmara, o AI nº 430.714-4/4-00 e o AI nº 433.182-4/7-00

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