O constante embate entre contribuintes e Fisco demonstra que é cada vez mais difícil conciliar a vontade e necessidade de uma carga tributária mais branda com o poder/dever de arrecadar tributos para viabilizar as atividades dos entes políticos.
Mencionado equilíbrio está longe de ser alcançado, ainda mais considerando notícias que veiculam comportamentos reprováveis de alguns contribuintes, que utilizam práticas ilegais para obter vantagens ilícitas, como também constantes revelações de como o dinheiro público é utilizado de maneira indevida.
Porém, não é só a carga tributária que deve ser objeto de análise, pois muitas vezes algumas obrigações acabam gerando um impacto financeiro igualmente relevante.
A título de exemplo, dentre as várias obrigações inerentes aos contribuintes, está obrigação imposta aos tomadores de serviços de reterem o valor correspondente ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.
Tratando-se de ISSQN é necessário buscar na Lei Complementar nº. 116/2003 as diretrizes básicas de sua exigência e, assim, determinar se a legislação de cada município atende as regras gerais.
Tratando-se especificamente da obrigatoriedade de retenção do ISSQN por parte do tomar do serviço é necessário leitura atenta do artigo 6º, da Lei Complementar nº. 116/2003. Confira:
Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais
1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte
2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são responsáveis:
I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.
III – a pessoa jurídica tomadora ou intermediária de serviços, ainda que imune ou isenta, na hipótese prevista no § 4º do art. 3º desta Lei Complementar.
3º No caso dos serviços descritos nos subitens 10.04 e 15.09, o valor do imposto é devido ao Município declarado como domicílio tributário da pessoa jurídica ou física tomadora do serviço, conforme informação prestada por este.
4º No caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, descritos no subitem 15.01, os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço.
Fica evidente que há várias situações em que o tomador do serviço é obrigado a reter o valor correspondente ao ISSQN, havendo inclusive autorização para que os Municípios e o Distrito Federal, por meio de lei, venham atribuir de modo expresso outras situações em que terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, seja responsabilizada pelo respectivo crédito tributário.
Importante destacar que a autorização contida no caput do artigo em referência possui redação muito semelhante ao artigo 128, do Código Tributário Nacional – CTN. Veja:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Ambas normas autorizam a responsabilização de terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, pelo crédito tributário, desde que uma lei assim determine, não sendo permitido que qualquer outra espécie legislativa trate deste assunto.
O Município de Marília editou o Decreto nº. 11.959, de 17 de fevereiro de 2017, com objetivo de estabelecer regras para responsabilização de terceiros pela retenção do ISSQN.
Em outras palavras, a municipalidade por meio de Decreto editou uma lista de empresas que passaram a ser consideradas substitutos tributários e ficaram responsáveis pela retenção do valor correspondente ao ISSQN sempre que estiverem na posição de tomadores de quaisquer serviços.
Considerando o artigo 6º da Lei Complementar nº. 116/2003 e o artigo 128 do CTN não restam dúvidas de que somente lei poderia atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, de modo o Decreto nº. 11.959/2017, do Município de Marília, se mostra em flagrante ilegalidade.
Por essas razões, todas as empresas relacionadas no anexo único do Decreto nº. 11.959/2017 podem se utilizar do judiciário para afastar a obrigatoriedade contida naquela norma e, assim, não se sujeitar à retenção quando forem tomadoras de serviços, o que resultará na redução de sua carga tributária, uma vez que ocorrerá a mitigação dos riscos de eventuais responsabilizações pelo pagamento do mencionado tributo.
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BRASIL, Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 01 ag. 2003.
BRASIL, Lei. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 27, n. 10, 1966.
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