Aline Cavalcante de Souza Sanches
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
O artigo 1º da Lei nº 8.009/90 instituiu a impenhorabilidade do bem de família, privilegiando assim o direito constitucional fundamental à moradia da entidade familiar, indispensável à garantia do mínimo existencial para uma vida digna.
Em breves linhas, o bem de família pode ser conceituado como o imóvel residencial próprio, que tenha por finalidade servir como domicilio familiar, o qual é protegido pela impenhorabilidade, não podendo, em regra, ser atingido para saldar dívidas, por ser um patrimônio imprescindível à subsistência de seus moradores.
Contudo, o artigo 3º da legislação acima mencionada estabelece diversas exceções à regra geral da impenhorabilidade do imóvel familiar, definindo hipóteses em que o bem de família pode ser objeto de constrição patrimonial por dívidas de seus proprietários.
Uma das exceções à regra de impenhorabilidade do bem de família, prevista no inciso V, do artigo 3º, consiste na situação de o imóvel ter sido oferecido a título de garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar, o que o torna passível de constrição para saldar dívida garantida pela hipoteca.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, conferindo novo entendimento à mencionada disposição da legislação, vem sedimentando sua jurisprudência no sentido de que o bem de família mantem-se impenhorável, mesmo quando oferecido em garantia hipotecária de dívida, se tal ato foi realizado por um dos sócios, para assegurar débito da pessoa jurídica devedora[1].
A Corte Superior vem afastando a exceção do artigo 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90, mantendo hígida a impenhorabilidade quando verificado que o benefício econômico da dívida contraída por pessoa jurídica, garantida por hipoteca de imóvel de um de seus sócios, não se deu em favor do núcleo familiar que reside no imóvel hipotecado.
Assim, se o imóvel familiar for objeto de garantia hipotecária que se prestou à garantia de dívida de pessoa jurídica, caberá ao credor o ônus de provar que o proveito econômico se reverteu à entidade familiar, para afastar a impenhorabilidade.
Entretanto, o bem de família pode ser penhorável, quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, presumindo-se o favorecimento, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que a família não se beneficiou dos valores auferidos[2] e que constituem a dívida garantida pela hipoteca.
Ou seja, se demonstrada pela entidade familiar que o proveito econômico, obtido com dívida garantida por hipoteca de seu imóvel, não se deu em favor de seus membros, mas sim de pessoa jurídica, a tendência é que os Tribunais Pátrios reconheçam a impenhorabilidade, afastando a exceção do artigo 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90.
Aplicando este entendimento, em 8 de setembro de 2020, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso de uma devedora, para declarar a impenhorabilidade do imóvel da família, conferido a título de garantia hipotecária de dívida contraída por entidade empresarial.
A interpretação conferida pelo Desembargador Relator Roberto Mac Cracken, no julgamento da Apelação Cível, autuada sob o nº 1002121-11.2019.8.26.0004, foi no sentido de que a exceção do artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90, somente será aplicável quando a garantia é prestada ou se reverte em benefício do núcleo familiar, o que não se pode presumir quando a hipoteca é outorgada em favor de pessoa jurídica, ainda que vinculada à pessoa física prestadora.
Restou consignado no julgamento que “a impenhorabilidade do bem de família é a proteção dada pelo ordenamento jurídico ao direito fundamental à moradia, como dimensão da própria dignidade humana”.
Assim, “como decorrência lógica, mostra-se necessário reconhecer a mitigação do princípio da autonomia da vontade, a ponto de não poder prevalecer a renúncia à impenhorabilidade do bem de família dado em garantia de dívida, na medida
em que a proteção não somente é dada ao devedor, mas também à sua família”.
O escritório Marcos Martins Advogados está atento a esse assunto e pronto para auxiliá-los na proteção do bem de família, mediante a aplicação dos mais contemporâneos entendimentos jurisprudenciais e institutos do Direito Civil.
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[1] STJ, Embargos de Divergência em Agravo em REsp 848.498 – PR – 2016/0003969-4 – Relator: ministro Luis Felipe Salomão; julgamento em 25/4/18
[2] STJ, AgInt no REsp 1.675.363 – MS – 2017/0127734-7 – Relator: ministro Moura Ribeiro; julgamento em 28/8/18