A SOBERANIA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES NA APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO

Fabiana Cristina de Arruda Cueva Soares
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados 

A Lei de Recuperação Judicial e Falência – Lei 11.101/2005 é norteada pelos Princípios da Preservação da Empresa, da Separação do Conceito de Empresa e Empresário, da Recuperação das Sociedades Empresárias Recuperáveis, da Proteção dos Trabalhadores e da Participação Ativa dos Credores, cujo objetivo maior é a viabilização e superação da crise econômico-financeira da empresa.

Diante de um cenário atual de grave crise econômica e política, a procura pela Recuperação Judicial teve um crescimento de 62% em relação ao ano de 2015. [i]

No curso do processo, a empresa requerente do benefício legal da Recuperação Judicial deverá apresentar o seu Plano de Recuperação, no qual proporá aos seus credores a solução econômica viável para o soerguimento de sua atividade, bem como a satisfação dos créditos.

Havendo objeções ao Plano de Recuperação apresentado, convoca-se a Assembleia Geral de Credores, tudo conforme propõe o artigo 35[ii] da lei, com a finalidade de deliberação e aprovação ou rejeição do Plano.

Muito se argumenta sobre a prevalência da deliberação Assembleia. Todavia, o entendimento majoritário dos tribunais pátrios é que a decisão do conclave, desde que realizada em conformidade com os ditames legais, é soberana.

Discute-se então, a competência do Judiciário para anular parcialmente ou não as condições do plano de recuperação aprovadas pela Assembleia e conclui-se que tal análise estaria restrita aos aspectos legais e formais do plano, para o afastamento de eventuais vícios, fraudes ou abuso de direito.

Contudo, na prática, esse critério de diferenciação pode acarretar diferentes interpretações sobre quais aspectos são exclusivamente de competência da Assembleia e, portanto, fazem parte das condições financeiras e econômicas que fundamentam o mérito do plano de recuperação e quais aspectos seriam de caráter legal e sujeitos ao crivo do Judiciário.

Não raramente o Poder Judiciário, mesmo após a aprovação do Plano em Assembleia, que pressupõe análise criteriosa das condições pelos credores, por meio de estudos, sugestões de soerguimento da empresa e amplo debate, tem invadido o campo do mérito, por meio de anulação de cláusulas que, muitas vezes, são pilares para a implementação do Plano de Recuperação e sua viabilidade econômica

A tênue linha que delimita tal análise, tem tornado as decisões judiciais cada vez mais subjetivas acarretando insegurança jurídica.

Há consenso de que o plano de recuperação tem natureza negocial e diante dessa peculiaridade, os Tribunais do País tem se posicionado de variadas formas, sendo que o STJ já definiu que a Assembleia Geral de Credores é soberana em suas decisões, quanto aos planos de RJ. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de viabilidade dos atos jurídicos em geral. [iii]

No julgamento do REsp 1.359.311-SP de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, houve a sintetização da discussão ao concluir que cabe somente aos credores, a análise da viabilidade econômica da empresa, sob pena de esvaziamento do instituto e perda de sua mais original inovação: a possibilidade de preservação da empresa, mediante acordo com a maioria dos credores sujeitos ao procedimento, a despeito da minoria dissidente, recusando, assim, a interferência do Poder Judiciário no conteúdo do plano de recuperação.

O Tribunal de São Paulo tem decisões que apoiam a natureza negocial da Recuperação, inclusive ressaltando sobre o cuidado do magistrado ao adentrar na análise do que é mérito ou do que é vicio de legalidade. Nos exatos termos do relator Hamid Bdine, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial:

“a insuficiência das medidas adotadas pelas agravadas para superarem a crise financeira é questão pertinente ao exclusivo exame dos credores, não cabendo ao Poder Judiciário verificar sua viabilidade se não há ofensa direta às normas constitucionais e infraconstitucionais, tampouco aos princípios contratuais e empresariais de ordem publica.” [iv]

Outros Tribunais do País, a exemplo do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, também perceberam a subjetividade da decisão, preocupando-se em preservar o que foi decidido no conclave. Conforme bem decido pelo voto do relator Vilson Bertelli:

“não há como o Poder Judiciário analisar o mérito do plano de recuperação judicial aprovado pelos quóruns previstos no artigo 45 da LRJF para afirmar que os encargos moratórios, as garantias e os prazos de carência ou de pagamento são abusivos. A decisão da assembléia geral é soberana, restringindo-se o exame do juiz aos aspectos de estrita legalidade”.[v]

Diante dos desafios inerentes ao processo recuperacional, o escritório Marcos Martins Advogados está preparado para supervisionar a elaboração do plano de recuperação, de modo a garantir a sua validação pelo poder judiciário no alcance da efetiva superação da crise, combatendo o exercício da chamada “magistratura econômica”.

 [i] Matéria publicada no Jornal O Globo. Ana Paula Ribeiro. Data 25.10.16
[ii] Artigo 35. A Assembleia Geral de Credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na Recuperação Judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor.
[iii] REsp 1.314209/SP, DJE de 01/06/12, 3ª Turma, Ministra Nancy Andrighi
[iv] Agravo de Instrumento 2077207-85.2016.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Empresarial, Americana – Relator Hamid Bdine, Julgado em 10.08.16
[v] Agravo de Instrumento 4011030-03.2013.8.12.0000, 2ª Câmara Cível , Dourados – Relator Vilson Bertelli, Julgado em 01.04.2014

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