Jayme Petra de Mello Neto
Priscilla Folgosi
Advogados do Escritório Marcos Martins Advogados
A Lei nº 11.101/05 – Lei de Recuperações Judiciais e Falências ou (LRF) exclui o crédito garantido fiduciariamente dos efeitos da recuperação judicial (art. 49, §3º[1]), autorizando o credor a realizar a consolidação da garantia fiduciária, podendo, inclusive, retirar o bem do estabelecimento do devedor imediatamente, salvo se considerado bem essencial ao desenvolvimento da atividade da devedora, hipótese em que deverá ser respeitado o prazo de 180 dias.
Inobstante a previsão expressa de exceção à concursalidade deste crédito, na prática, tem se verificado uma conduta processual de credores desta espécie, ajuizando ação de execução por quantia certa, como se a garantia fiduciária não existisse ou não tivesse relevância. Diante deste comportamento, os Tribunais tem assentado entendimento que reposiciona o crédito no bojo do concurso creditório. Assim, se o credor fiduciário opta pelo ajuizamento de ação executiva em detrimento da ação de busca e apreensão abre mão da garantia fiduciária e, por conseguinte, perde o privilégio do art. 49 §3º da LRF, tornando-se mero credor quirografário, garantido genericamente pelo patrimônio da empresa em recuperação.
Este é o entendimento que tem prevalecido nas Câmaras Especializadas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme ementas exemplares abaixo transcritas[2]:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Pedido de remessa de valores, obtidos com a alienação de bens da recuperanda, ao Juízo da execução individual. Indeferimento mantido. Credor fiduciário que, ao optar pela execução da dívida, abre mão da garantia fiduciária e, por consequência, da extraconcursalidade prevista no art. 49 §3º da LRF. Precedentes. Crédito, portanto, que deve ser habilitado na recuperação. Impossibilidade de remessa dos valores. Produto da alienação que serve à obtenção de recursos financeiros pela agravada para cumprimento do plano de recuperação. Recurso desprovido.( Rel. Des. Teixeira Leita – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo – Agravo de Instrumento nº 2046174-77.2016.8.26.0000, j.10/08/2016).
Assim, é possível afirmar que a proteção legal aos credores fiduciários se limita à opção de execução da garantia. Portanto, se o credor se despe da garantia prevista pela LRF, deve habilitar seu crédito na recuperação, como credor quirografário que se tornou.
Permitir-se que o credor continue penhorando indistintamente ativos da devedora ainda que detentor de propriedade fiduciária seria privilegiá-lo em prejuízo de todos os demais credores, violando o princípio da igualdade entre credores e prejudicando a execução do plano de recuperação judicial. Até porque, a extraconcursalidade outorgada pela Lei não está atrelada à qualidade do crédito em si mesmo, mas à operação subjacente de formação da garantia. Há que se lembrar, embora corriqueiramente confundido pelos próprios operadores do Direito, que a Alienação Fiduciária não é um negócio jurídico em sentido estrito. Ou seja, não é um acordo de vontades.
Antes, a Alienação Fiduciária é um Direito Real, assim entendido como “… uma relação entre o homem e a coisa, que se estabelece diretamente e sem intermediário, contendo, portanto, três elementos: o sujeito ativo, a coisa e a inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa (…)”[3] O credor garantido por Alienação fiduciária é proprietário do bem em garantia, portanto, apto a exercer a inflexão imediata sobre a coisa mencionada na definição destes direitos.
Ao ajuizar a mera execução, sem perseguir a coisa própria, a conduta deste credor se assemelha ao abandono, forma de extinção da propriedade, tendo a Jurisprudência bem decidido nos processos recuperacionais pela perda do status extraconcursal, ante a conduta contraditória ao Direito Real que ostentava até então.
Até que não se promova a aclamada e necessária reforma da Lei 11.101/05, com o fim dos créditos extraconcursais não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial que, em regra, reduzem as chances da efetiva superação da crise, é preciso manter-se atento e saber operar em favor da correta aplicação do Direito nos casos desafiadores que se apresentarem. O escritório Marcos Martins Advogados Associados mantem-se atento às tendências jurisprudenciais inovadoras, que permitem soluções criativas e seguras para o saneamento das dívidas, sempre comprometido com o sucesso do processo recuperacional.
[1] Art. 49. § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
[2] Vide ainda: (AI 2050578-11.2015.8.26.0000, 32ª Câmara de Direito Privado, rel. Luis Fernando Nishi, j. 28/05/2015). (AI 2167723-25.2014.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, rel. Álvaro Torres Júnior, j. 02/02/2015). (AI 2039070-39.2013.8.26.0000, 37ª Câmara de Direito Privado, rel. Sérgio Gomes, j. 11/02/2014).
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p. 12.