A CONSTATAÇÃO PRÉVIA E O SEU BENEFÍCIO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Fernando Luiz Tegge Sartori
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

O processo de recuperação judicial é uma alternativa legal às empresas que atravessam momentos de dificuldades, que não obtiveram êxito em reestruturar a sociedade empresária em negociações extrajudiciais e com medidas administrativas, visando uma negociação coletiva e supervisionada pelo poder judiciário para a reestruturação da empresa. (SARTORI, 2019)[1]

Referida reestruturação da empresa, por intermédio da Recuperação Judicial, exige da sociedade empresária uma série de requisitos para que o seu pedido seja deferido pelo juízo em que tramitar o processo, especialmente com o cumprimento dos requisitos dos artigos 48[2] e 51[3], ambos da lei 11.101/2005. (SARTORI, 2019)

Com base na legislação, cumpridos os requisitos dos artigos 48 e 51 da lei 11.101/2005, o juiz deferirá o processamento da Recuperação Judicial, nos termos do art. 52 da lei 11.101/2005[4].

No entanto, em que pese a ausência de previsão legal para tanto, tem sido cada vez mais comum, nos processos de Recuperação Judicial, a realização de uma perícia prévia, recentemente rebatizada pelo CNJ como “constatação prévia”, em face das empresas requerentes do pedido de Recuperação Judicial, independentemente do cumprimento de todos os requisitos listados na lei.

Por não haver previsão legal expressa, a constatação prévia é justificada pelos que defendem a sua aplicação à lei 11.101/2005, por força de uma interpretação extensiva do artigo 52 da lei 11.101/2005 a todo o sistema recuperacional, de forma a garantir a sua eficiência e finalidade. A análise formal e objetiva a que se refere a redação do artigo 52 da LRF, na visão dos que defendem a incorporação da perícia prévia ao sistema recuperacional, impediria a constatação da consistência dos documentos que foram apresentados pelo devedor em seu pedido de Recuperação Judicial.

Referida constatação prévia, quando realizada, ocorre por determinação do juiz, no lapso temporal entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e a decisão de deferimento do processamento da Recuperação Judicial.

A perícia prévia tem por objetivo promover a constatação das atividades da empresa que se socorre do pedido de recuperação judicial para renegociar as suas dívidas sujeitas ao processo de Recuperação Judicial, ocasião em que o expert nomeado pelo juízo para a realização do trabalho deverá comparecer à matriz e filiais da empresa e apresentar um laudo técnico quanto à situação da empresa por ele presenciada.

A ideia principal é evitar que seja deferido o processamento da recuperação judicial de uma empresa que já não está ativa, que não possui atividade empresária e que se utiliza do pedido de recuperação judicial para fins diversos do objetivo da legislação.

Em uma análise fria, a ideia dessa constatação prévia parece fazer bastante sentido, de forma a fazer valer o objetivo do sistema recuperacional, conferindo maior segurança ao Juízo quando for proferir a decisão de deferimento do processamento da Recuperação Judicial, quanto aos credores e demais interessados no processo de Recuperação Judicial.

No mesmo sentido, o Conselho Nacional da Justiça recentemente aprovou uma recomendação para que sejam determinadas diligências para constatação prévia nos documentos e atividades das empresas que pleiteiam a Recuperação Judicial, visando garantir que as empresas tenham cumprido os requisitos formais do pedido de Recuperação Judicial e que estejam ativas.

No entanto, se por um lado a perícia prévia visa garantir segurança ao juízo e credores interessados, por outro lado ela pode causar o agravamento da crise ou mesmo levar ao indeferimento do pedido de recuperação judicial.

Isso porque, não são raros os casos em que há uma demora excessiva do juízo recuperacional em proceder com a análise do pedido de Recuperação Judicial e proferir a sua decisão, que pode ser uma decisão de deferimento do processamento ou uma decisão determinando a realização de uma perícia prévia.

Da mesma forma, a prática demonstra que o lapso temporal entre a decisão que determina a realização de uma perícia/constatação prévia e a decisão de deferimento do processamento da Recuperação Judicial é muito grande, especialmente em comarcas de interior, fora dos grandes centros e capitais do país. Pela ausência de previsão legal, juízes aplicam prazos diversos para que o trabalho seja concluído, que normalmente variam entre 5 e 15 dias.

Em recente publicação, com base em pesquisas realizadas pelo observatório de insolvência do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência – NEPI da PUC/SP e da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ[5] – em processos de Recuperação Judicial distribuídos perante as varas especializadas da Capital do Estado de São Paulo – os autores concluíam que quando determinada a perícia prévia em um pedido de Recuperação Judicial, o tempo mediano até a decisão de deferimento do processamento aumentava em 25 dias.

Além disso, referido estudo constatou que a probabilidade de êxito no deferimento do processamento da recuperação judicial, quando precedida de perícia prévia, é maior do que nos casos em que não foi determinada a realização da perícia, em que pese não exista comprovação no sentido de que empresas que se submeteram à perícia obtiveram maior sucesso na Recuperação Judicial em relação às empresas que não foram previamente averiguadas.

Em que pese a ideia da constatação prévia seja a de conferir maior segurança aos interessados no processo, em muitos dos casos as consequências dela podem ser devastadoras às empresas a ela submetidas, muito embora as chances de êxito no processamento do pedido de Recuperação Judicial aumentem, conforme o estudo realizado pelo observatório de insolvência do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência – NEPI da PUC/SP e da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ.

Uma empresa que decide pelo seu pedido de Recuperação Judicial, mais do que nunca, depende da agilidade do poder judiciário para que possa se valer dos benefícios da legislação, especialmente a proteção contra ações e execuções – o stay period.

A prática demonstra que a determinação de diligência de constatação prévia não é uma garantia de maior probabilidade de sucesso da Recuperação Judicial, ao passo que, ao contrário do nobre objetivo a que se presta, nos parece que ela tende a piorar ainda mais a situação da empresa perante o mercado.

Com a distribuição do pedido de Recuperação Judicial, a devedora tende a encontrar maior resistência para negociação com seus fornecedores e enfrenta dificuldade de acesso a crédito, dificuldade que é substancialmente piorada à medida do alongamento do prazo até a decisão de deferimento do processamento da Recuperação Judicial, que alcança 25 dias em média – considerando que os dados foram coletados em varas especializadas. Enquanto não deferido o seu pedido, a empresa devedora vive um limbo, face à incerteza de sucesso do seu pedido perante o mercado.

Nesse contexto, quer nos parecer que quando da análise do pedido de Recuperação Judicial, deveria o juiz promover uma análise formal da documentação apresentada pelo devedor, aplicando a objetividade que a lei impõe em seu artigo 52, no sentido de que “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial”.

A prática demonstra que muitas empresas tecnicamente falidas, se submetidas à análise fria de seu balanço ou fluxo de caixa, tiveram recuperações judiciais exitosas, visto que o ambiente negocial propiciado pelo sistema recuperacional permitiu a aprovação do Plano de Recuperação Judicial e a consequente preservação da atividade empresarial e dos postos de trabalho.

A determinação da diligência da perícia prévia poderia ser melhor aproveitada e então fazer valer o seu objetivo, quando houver dúvida quanto à existência da atividade empresarial, especialmente nos casos em que não houve o cumprimento dos requisitos dos artigos 48 e 51 da lei 11.101/2005 e se mostra necessária a emenda à petição inicial. Nesse caso a perícia serviria claramente para dar segurança ao juízo e sem atrasar o processamento da Recuperação Judicial, já que o atraso foi causado pelo próprio devedor.

Igualmente, não faz sentido pleitear a realização de perícia prévia de sociedade que cumpriu com todos os requisitos legais e que possui grande relevância para sociedade ou comunidade em que está instalada e que reconhecidamente encontra-se em plena atividade, ocasião em que a constatação prévia não traria benefício algum aos envolvidos no processo.

Por todo o exposto, nos parece que a designação da constatação prévia nos processos de Recuperação Judicial não deve ser utilizada de forma indiscriminada, de modo que teria melhor utilidade nos casos de dúvida real quanto às atividades da sociedade que pretende se valer dos benefícios da legislação.

O escritório Marcos Martins Advogados está sempre atento às discussões doutrinárias e jurisprudenciais de modo a sempre atender, da melhor forma, os seus clientes.


[1] SARTORI, F. L. T. O papel do juiz no processo de recuperação judicial. Marcos Martins Advogados, 2019. Disponível em https://www.marcosmartins.adv.br/pt/papel-do-juiz-processo-recuperacao-judicial/. Acesso em: 04 nov. 2019.

[2] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. § 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. § 2º Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.

[3] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

[4] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial (…);

[5] WAISBERG, Ivo; SACRAMONE, Marcelo Barbosa; NUNES, Marcelo Guedes; CORREA, Fernando. Recuperação judicial nas varas da Capital: um exame jurimétrico. In: WAISBERG, Ivo; RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende; SACRAMONE, Marcelo Barbosa. (Org.). Direito Comercial, Falência e Recuperação de Empresas – temas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2019.

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