A crise econômica causada pelo COVID-19 e a recuperação judicial

Fernando Luiz Tegge Sartori 
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

A crise econômica causada pelo advento da COVID-19 vem modificando imensamente as atividades de grande parte das empresas, seja na forma de atendimento aos clientes, na forma de negociar novos contratos ou quando da busca de soluções para manter a atividade empresarial.

A referida crise desencadeou, especialmente pelo isolamento social, uma desaceleração forte no consumo e produção de bens e serviços, restrição de crédito, inclusive desencadeando em desemprego, em que pese alguns incentivos praticados pelo poder público, mas que nem sempre atendem as necessidades dos empresários.

Isso porque, o faturamento das empresas caiu e continuará em queda enquanto perdurar essa situação excepcional de pandemia, enquanto as dívidas existentes à época em que as sociedades operavam em sua capacidade habitual remanescem e são exigidas por seus credores.

Como bem assevera Cassio Cavali [1]:

“há um monumental descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro, conforme a síntese de Lawrence Summers descrita pelo site da Bloomberg: “o tempo econômico parou por causa da pandemia, mas o relógio financeiro continuou a girar. Pagamentos de juros, aluguéis e outras obrigações ainda se vencem, mas o dinheiro para arcar com eles secou”. O resultado desse descompasso é a crise empresarial de proporções épicas que estamos para enfrentar”.

Visando encontrar uma solução de combate à crise econômica causada pelo advento da COVID-19, inúmeros são os debates sobre as alternativas legais e propostas legislativas em socorro à economia. Enquanto não há modificação na legislação atual, se faz necessária a busca por soluções amigáveis ou medidas legais para a reestruturação da dívida.

Quanto ao ponto, nota-se um aumento das ações que visam a renegociação de contratos ou repactuação de dívidas específicas com base na teoria da imprevisão, pedido que deve ser analisado caso a caso e que pode resolver problemas pontuais de empresas, visando o reequilíbrio contratual.

No entanto, são muitos os casos de empresas que possuem diversos credores, com dívidas que seriam tranquilamente suportadas em uma situação regular da economia, mas que não alcançam soluções amigáveis. Nesses casos, a via da Recuperação Judicial, regulada pela lei 11.1011/2005, se mostra como uma alternativa legal à crise.

O procedimento da Recuperação Judicial se mostra como uma eficaz solução às empresas que não obtiveram êxito na negociação extrajudicial ou na reestruturação administrativa da companhia, desde que estejam aptas a cumprir com requisitos mínimos definidos nos artigos 48[2] e 51[3], ambos da lei 11.101/2005.

A recuperação judicial permitirá à sociedade devedora um fôlego financeiro, por força da disposição do art. 6º da lei 11.101/2005[4], que garante a suspensão de todas as execuções distribuídas por seus credores, pelo prazo de 180 dias, além da possibilidade de renegociação da sua dívida de forma coletiva.

A proposta de pagamento, ofertada no Plano de Recuperação Judicial, é única a credores que estejam em mesma situação, dentre credores trabalhistas, credores detentores de garantia real, credores quirografários (fornecedores comuns) e aqueles considerados como microempresas ou empresas de pequeno porte.

A legislação recuperacional, em seu art. 50[5], indica um leque não taxativo de meios de recuperação judicial, dentre os quais destacam-se a possibilidade de se ofertar aos credores prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas (parcelamento da dívida, carência, deságio, prêmios de pontualidade), alienação de bens, dentre outros.

Se aprovado o plano de recuperação judicial, ele será válido e vinculante inclusive aos credores que reprovaram o plano, mas que foram vencidos pela vontade da maioria, nos termos do art. 58, §1º da LRF[6] e aí está um dos grandes benefícios da negociação coletiva, capaz de solucionar dívidas existentes com credores com postura mais rígida de negociação.

São inúmeros os casos de sucesso em renegociação de dívidas e superação de crise – muito por conta do ambiente negocial seguro proporcionado pelo processo de recuperação judicial, inclusive por empresas que, se submetidas à análise fria de seu balanço ou fluxo de caixa, seriam consideradas como tecnicamente falidas.

De toda a sorte, antes de se optar por esta medida judicial para reestruturação da dívida, é de suma importância a realização de um estudo sobre o perfil da dívida da empresa, bem como um estudo sobre a viabilidade econômica da sociedade, de forma que seja possível identificar as melhores propostas aos credores, considerando projeções da sociedade e de mercado frente ao endividamento.

O escritório Marcos Martins Advogados está sempre atento às discussões doutrinárias e jurisprudenciais afetas à matéria e se coloca à disposição dos seus clientes para buscar a melhor solução para as suas necessidades.

Dúvidas? Fale com nossos advogados e receba orientações.


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[1] Cavalli, Cássio. O Brasil deve ou não adotar novas regras para enfrentar a crise econômica? Disponível em: <https://www.cassiocavalli.com.br/o-brasil-deve-ou-nao-adotar-novas-regras-para-enfrentar-a-crise-economica/>. Acesso em: 04 de maio de 2020.

[2] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. § 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. § 2º Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.

[3] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

[4] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário

[5] Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

[6] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. §1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.

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