Jorge Luiz Dantas
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados.
A proteção à propriedade destinada à moradia da família recebeu amparo legal no ano de 1990, obviamente em razão da então promulgação da Constituição da República de 1988, a qual estabeleceu princípios claramente destinados ao desenvolvimento da sociedade e dos cidadãos que nela vivem.
A diretriz constitucional foi explicitada no seu primeiro artigo, que traz seus fundamentos, dentre eles, cidadania e dignidade da pessoa humana. O artigo 3º, que apresenta os objetivos da Carta Constitucional, lança o desejo do poder constituinte originário em erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades sociais e constituir uma sociedade livre e justa. Eis, portanto, o arcabouço constitucional a informar todo o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive a Lei 8.009/90.
Como não poderia ser diferente, a sociedade brasileira, nesses últimos 24 anos, passou por sensíveis alterações, as quais, felizmente, foram percebidas por nossas Cortes Superiores, que souberam dar nova interpretação às normas contidas na referida lei. Há que se lembrar, ainda, que a E.C 26/00 incluiu expressamente a moradia entre os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal.
De modo sucinto, o paradigma da lei, com o passar dos anos, fixou a proteção à entidade familiar na forma mais ampla que o termo possa alcançar. Desta maneira, a alegação de bem de família se estende às uniões estáveis, às uniões homoafetivas, famílias monoparentais, pessoas solteiras, separadas, viúvas (Súmula 364-STJ) etc.
Da mesma forma, a volatilidade das relações conjugais produziu desdobramentos que tornaram praticamente letra morta o artigo 5º da Lei 8.009/90, vez que, como já decidido pelo STJ, há a possibilidade de existir mais de um bem de família quando esta, por motivos diversos, foi seccionada. Assim, a unidade familiar constituída, por exemplo, pela mãe e filhos é protegida, ainda que o pai, com o divórcio, também tenha seu imóvel protegido. Uma entidade familiar cindiu-se em duas e ambas fazem jus a impenhorabilidade dos bens onde residem. Esta secção, todavia, não se estende a mera separação de fato de um dos membros da família, como no caso de um dos filhos residir em outro imóvel da família, vez que significaria ampliar demasiadamente o âmbito da lei, encorajando a prática de fraudes[1]. Também o imóvel locado, cujo rendimento seja destinado à subsistência da família ou ao pagamento de outra moradia, nos termos da Súmula 486 do STJ, não poderá ser penhorado.
Há, porém, tema deveras espinhoso, quando se trata da impenhorabilidade de bem hipotecado a favor de terceiro que beneficia apenas um integrante da família. Neste caso, prevalece a impenhorabilidade do bem. Há recente julgado do STJ[2] que afastou a impenhorabilidade porque o casal era sócio da sociedade empresária que recebeu a garantia real, donde se presumiu o benefício a ambos.
Em contrapartida, aquele que pessoalmente garante uma relação locatícia, mediante a prestação de fiança, perde a proteção da impenhorabilidade do bem de família. Veja que neste caso não se cogita a existência de benefício da entidade familiar. A livre disposição do bem pelo fiador, por si só, afasta a incidência da Lei 8.009/90 em seu benefício.
Não deveria também ser assim em relação à hipoteca, sobretudo porque também esta exige a outorga uxória?
Nota-se que a discussão é riquíssima e se aloja em diversos institutos do direito, os quais, como demonstrado, têm alterado a exegese da Lei 8.009/90. Passa também, conforme entendimento do Ex- Ministro do STF Cesar Peluso[3], pelo próprio conceito do que seja direito à moradia, que não significa necessariamente direito à propriedade.
Conclui-se, portanto, que a casuística encoraja levar questões relativas à impenhorabilidade do bem de família aos Tribunais Superiores já que a sociedade, multifacetada como está, não poucas vezes trará configurações singulares, cuja apreensão exigirá outras interpretações pelos operadores do direito.
[1] AgRg no AREsp 301.580. Relator Ministro Sidnei Beneti, julgado em 28.05.2013.
[2] REsp 1.413.717 – PR (2013/0204788-5). Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 21.11.2013.
[3] RE 407.688. Relator Ministro Cezar Peluso, publicado no DJ de 06.10.2006. Este acórdão norteou o reconhecimento de repercussão geral no RE 612.360 RG / SP – SÃO PAULO – Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 13.08.2010.