Thyago Rodrigo da Cruz
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados
Antes de ser reconhecida como um bem imaterial, integrante do estabelecimento empresarial, cumpre esclarecer que a honra empresarial, acima de tudo, é um direito de personalidade, oriundo da inscrição da sociedade empresária perante o Registro Público de Empresas Mercantis, evento que constitui termo inicial de sua existência legal.
Vale trazer à baila o magistério do ilustre professor Rubens Limongi França que, ao delimitar o seu célebre conceito de direitos da personalidade, bem assevera tratar se das “faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”¹, abrangendo, portanto, os aspectos intrínsecos e extrínsecos relativos à pessoa.
Nesse sentido, a honra empresarial, por razões óbvias, jamais se revestirá de natureza subjetiva, visto que a pessoa jurídica que lhe titulariza não possui uma psiquê capaz de ser maculada ou influenciada por fatores externos. Entretanto, estará ela sujeita a lesões de ordem objetiva² , dizendo respeito, em última análise, ao conjunto das percepções de seus públicos acerca de sua imagem – seja está positiva ou negativa –, a constituir aquilo que denominamos reputação corporativa.
Referido processo de construção e consolidação da honra empresarial, tal como já mencionado, é absolutamente trabalhoso, demandando tempo, dinheiro e, principalmente, disciplina por parte da sociedade empresária e seus respectivos colaboradores, todos voltados para o objetivo de conquistar e manter incólume tal direito de personalidade, parte integrante e indissociável de seu estabelecimento empresarial.
Por isso mesmo que o artigo 52 do Código Civil é explícito ao determinar que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”, visto que referidos direitos são essenciais à sobrevivência da sociedade empresária no mercado.
Maria Helena Diniz³, a respeito do início e extensão dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, assevera que:
A capacidade da pessoa jurídica decorre logicamente da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro. Essa capacidade estende-se a todos os campos do direito. Pode exercer todos os direitos subjetivos, não se limitando à esfera patrimonial. Tem direito à identificação, sendo dotada de uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade. Logo, tem direito à personalidade, como o direito ao nome, à liberdade, à própria existência, à boa reputação (CC, art. 52).
Na mesma seara, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho⁴, fazendo uma breve recapitulação histórica a respeito do referido artigo 52, também acabam por reconhecer verdadeira personalidade à pessoa jurídica, a saber:
Tal dispositivo decorreu de crítica do Professor COUTO E SILVA ao anteprojeto de Parte Geral elaborado pelo Ministro MOREIRA ALVES, consoante demonstra a observação deste último: “acolho, também, novo art. 23 das Observações do Prof. Couto e Silva, o qual manda aplicar às empresas, no que couber, a proteção do direito de personalidade. Sou de opinião, porém, de que o artigo ficará mais bem situado nas disposições gerais sobre a pessoa jurídica (e não como sugere o Prof. Couto e Silva, em capítulo exclusivo de pessoa física), onde virá imediatamente antes do art. 49 do Anteprojeto (que trata da dissolução da pessoa jurídica). Entendo, também, que ao invés de empresa, se deveria dizer pessoa jurídica”. […] Portanto, enquanto sujeito de direito, a pessoa jurídica, assim como a pessoa física ou natural, tem preservados os seus direitos à integridade moral (sob o aspecto objetivo), à imagem, ao segredo etc.
No entanto, alguns doutrinadores são avessos à ideia de similitude da reparação moral fundada na personalidade da pessoa jurídica com aquela atribuída à pessoa humana, na medida em que o dano causado à moral desta última é de caráter personalíssimo, decorrente de sua dignidade enquanto pessoa humana, sendo certo que tão atributo jamais poderá ser atribuído à pessoa jurídica, sendo Caio Mário da Silva Pereira⁵ adepto de tal entendimento, a saber:
Cogita-se, também, do direito à honra e à imagem da pessoa jurídica. O Superior Tribunal de Justiça inclusive já pacificou o entendimento de que, pela violação de tais direitos, as pessoas jurídicas podem ser sujeitos passivos de dano extrapatrimonial. Diz o enunciado da Súmula nº 227 do STJ que: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. […] Todavia, em virtude dos efeitos essencialmente econômicos da lesão a tais direitos, cabe ressaltar que não se confundem com os bens jurídicos traduzidos na personalidade humana, os quais recebem proteção especial da ordem jurídica, em razão da cláusula geral de tutela inserta no art. 1º, III, da Constituição Federal.
De igual modo compreende Silvio Romero Beltrão⁶:
Entendo da possibilidade de reparação por danos morais aos entes coletivos, e encontro restrições à aplicabilidade das normas relativas aos direitos de personalidade em relação às pessoas jurídicas, uma vez que essa possibilidade deriva da aptidão que tem a empresa para produzir lucros e não do princípio da dignidade humana. […] Os fundamentos para a reparação dos danos morais em face da pessoa natural são diferentes dos fundamentos aplicados à pessoa jurídica. O dano moral causado à pessoa natural tem o seu fundamento na violação da dignidade da pessoa humana, enquanto que o dano moral causado à pessoa jurídica fundamenta-se em seu patrimônio imaterial, no âmbito da honra objetiva da empresa. […] Diante de tais argumentos, não há como deixar de sustentar que a pessoa jurídica não detém direitos de personalidade, apesar de receber proteção da ordem jurídica quanto à possibilidade de reparação de danos extrapatrimoniais sofridos.
Entretanto, referido entendimento, adotado por Caio Mário da Silva Pereira e Silvio Romero Beltrão, não nos parece ser o mais adequado ao ordenamento jurídico pátrio, na exata medida em que a honra – quer seja em sua acepção subjetiva, quer seja na objetiva – constitui-se em irrefutável corolário da personalidade atribuída à pessoa jurídica quando de sua inscrição perante o Registro Público de Empresas Mercantis, razão pela qual deve ser a ela conferidas todas as tutelas e atributos próprios à natureza de tal direito.
Nesse sentido, merece especial destaque a definição trazida pelo magistério de Antônio Carlos Morato⁷, que, no nosso sentir, acertadamente entende os direitos de personalidade “como direitos que versam sobre a própria pessoa e seus reflexos e que são reconhecidos à pessoa humana e atribuídos à pessoa jurídica”. Tal entendimento encontra pleno amparo na Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, a denotar, evidentemente, a existência de uma personalidade jurídica.
Desta feita, resta evidente que a honra empresarial, também chamada de reputação corporativa, de natureza objetiva, parte integrante do estabelecimento empresarial da sociedade empresária, haverá de ser tutelada pelas regras próprias aos direitos de personalidade, atribuídos à pessoa jurídica por disposição expressa do artigo 52 do Código Civil, mostrando-se por plenamente aplicáveis as disposições legais atinentes à prevenção ou à reparação de eventuais lesões que lhe possam sobrevir.
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¹FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 935.
²GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 216.
³DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 1: teoria geral do direito civil. 20. ed. rev. e aum. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2003, p. 237.
⁴Ibidem, p. 239
⁵PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume 1: Introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil. 21ª edição rev. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 340.
⁶BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos de personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005, pp. 95-96.
⁷MORATO, Antônio Carlos. Quadro geral dos direitos de personalidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 106/107, jan./dez. 2011/2012, p. 124.