Heloisa de Alencar
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
A importância da responsabilidade civil para a atuação profissional no campo do Direito do Trabalho é indicada pela constatação de que entre os assuntos mais demandados na Justiça do Trabalho no ano de 2016 a indenização por dano moral ocupa a 2ª posição nas Varas do Trabalho e a 3ª posição nos Tribunais Regionais do Trabalho, apenas atrás de pedidos relativos à extinção do contrato de trabalho (verbas rescisórias e seguro-desemprego) e remuneração. Já a indenização por dano material ocupa, respectivamente, a 9ª e 16ª posições, conforme dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Enquanto o empregador, via de regra, está submetido a riscos de natureza patrimonial, o empregado fica exposto a riscos em sua maioria, corporais, colocando em risco sua própria vida ou integridade psicofísica, em um ambiente de trabalho que é controlado pelo empregador, ao qual cabe o dever de proteção, prevenção e precaução.
Com a entrada em vigor da Lei 13.467/17 houve inovação significativa quanto ao dano expatrimonial, que passou a ter normas jurídicas próprias na CLT, em seus artigos 223-A a 223-G.
Para que seja invocado o direito a indenização, deve existir o dano, que é o elemento determinante para a existência da responsabilidade civil. O dever de indenizar é um dever jurídico sucessivo, de recomposição ou compensação do dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.
Para que haja a reparação integral do dano, deve-se buscar a reposição da vítima ao status anterior, na maior medida do possível, como forma de justiça. Contudo, em caso de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização, de acordo com o artigo 944 do Código Civil[1].
Existem duas modalidades de dano, que são o dano patrimonial (material) e o extrapatromonial (moral).
Caracteriza-se o dano patrimonial pela redução do patrimônio da vítima, seja quanto a bens corpóreos ou bens incorpóreos.
O dano patrimonial ainda pode decorrer da lesão a direitos de personalidade, como a integridade física e psíquica, a imagem, a honra. Enquadram-se nessa hipótese as despesas com tratamento de saúde, decorrente de acidente de trabalho, ou a perda de clientela do empregador em virtude da difamação praticada por empregado.
Já no caso do dano extrapatrimonial ou moral, que é assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, V e X, este pode ser conceituado como “dor da alma”, ou seja, como o sentimento de sofrimento e humilhação, ou ainda, o dano que decorre da violação a um bem ou atributo da personalidade (direito de personalidade) que afeta a dignidade da pessoa humana, sendo possível sua cumulação com o dano material.
Ademais, quando se adota esta premissa, significa dizer que o dano moral não fica condicionado a uma vivência de dor psíquica. E mais, se esses sentimentos não tiverem como origem a violação de um direito de personalidade não há falar em dano extrapatrimonial.
O nexo causal é pressuposto para caracterização do dever de indenizar a ser analisado, ou seja, só é indenizável o dano que é consequência do ato ilícito.
O direito brasileiro adota a responsabilidade subjetiva como referencial predominante nas relações entre particulares (Código Civil, art. 927)[2].
Isso significa que, como regra geral, além do dano em si, o dever de indenizar pressupõe a prática de um ato ilícito em sentido estrito (Código Civil, art. 186)[3] ou abuso de direito (Código Civil, art. 187)[4]. O ato ilícito em sentido estrito corresponde a uma conduta voluntária culposa (dano ou culpa em sentido estrito) do agente que viole um dever jurídico e cause danos a terceiro.
No campo das relações de trabalho, a responsabilidade civil subjetiva tem relação direta com a culpa empresarial. Ademais a culpa levíssima ainda assim gera o dever de indenizar, embora seja passível a redução do valor da indenização em tal caso. Especificamente nos casos de danos decorrentes de acidente de trabalho, o art. 7º, XXVIII, da Constituição menciona expressamente o dolo ou culpa do empregador.
O abuso de direito é caracterizado quando o titular de um direito, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (Código Civil, art. 187). O abuso de direito, conforme essa definição legal, não é pautado pela ideia de culpa em seu sentido tradicional, mas sim pelos limites impostos pela boa-fé, bons costumes e o fim econômico ou social do direito. Trata-se de ato ilícito de matriz objetiva, pautada pelos meios ou modo de exercer um direito ou posição jurídica, sendo desnecessária a comprovação da culpa.
No Direito do Trabalho, observa-se a tendência da doutrina e dos Tribunais em admitir a aplicação supletiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil nas relações de trabalho, diante do caráter supletivo do Direito Civil (CLT, art. 8º) e da definição legal de empregador também fazer menção a que lhe cabem os riscos do negócio (CLT, art. 2º). Essa aplicabilidade da responsabilidade objetiva nas relações e trabalho tem abrangido, inclusive, os casos de acidente de trabalho, não obstante o texto do art. 7º, XXVIII, da Constituição aponte para a responsabilidade subjetiva.
Sendo assim, conclui-se que a responsabilidade civil nas relações de
trabalho é um dos temas mais demandados perante da Justiça do Trabalho,
conforme dados do Conselho nacional de Justiça. Isso se deve à peculiar
natureza do contrato de trabalho, que envolve uma prestação de fazer que compromete
a própria integridade biopsíquica do empregado, bem como o caráter estruturante
do poder empregatício e seus desdobramentos sobre os direitos de personalidade.
Em que pese à importância da segurança jurídica almejada com a alteração
realizada pela Lei 13.467/17 essa não pode ser implementada de modo a criar um
regime jurídico indenizatório mais restritivo e tarifado de reparação,
colocando o trabalhador em uma situação de subcidadania, principalmente quando
comparado com o regime jurídico do dano extrapatrimonial em outras áreas do
Direito.
[1] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
[2] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[3] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[4] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.