Jayme Petra de Mello Neto
Coordenador Jurídico do Escritório Marcos Martins Advogados

O ano de 2016 promete ser bastante intenso e marcar um novo período na história da solução de conflitos no Brasil. No centro dos holofotes está o Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, que vem sob a inspiração da celeridade e economia processual, buscando a efetividade das tutelas jurisdicionais num mundo cada vez mais complexo, com alto grau de litigiosidade socioeconômica, que se reflete no aumento da litigiosidade inter partes, sobrecarregando o Judiciário.

Ao lado do protagonista, o sistema brasileiro de soluções de conflitos conta agora com a Mediação como um instrumento legalmente delimitado. Tendo completado sua vaccatio legis no início do ano de 2016, a Lei nº 13.140/2015, intitulada Lei de Mediação, delimitou os contornos do instrumento, criando um sistema próprio a latere ao atual e vindouro sistema judicial.

Engana-se quem se prende à ideia de que a Mediação é umbilicalmente atrelada ao Processo Civil tradicional, aplicado às soluções de controvérsias submetidas à apreciação do Poder Judiciário. A lei até prevê a Mediação ocorrida no curso do processo judicial instaurado. Mas, independente desta previsão, a Mediação intraprocessual é, na verdade, uma causa de suspensão do processo para remeter as partes a um outro sistema de solução de controvérsias, onde a higidez das normas processuais pode ser suavizada em benefício da pacificação consensual. Não se trata de Conciliação, um instrumento de pacificação pelo qual o juiz tenta reestabelecer o diálogo e a concordância entre as partes enquanto caminha a ação ajuizada. A Mediação é um sistema autônomo e como tal deve ser entendida para poder cumprir suas funções. Ao longo deste texto ficará demonstrado mais claramente como a Mediação difere da Conciliação.

É preciso entender o que é a Mediação. Segundo a própria Lei: Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia[1]. Desta forma, a Mediação é muito mais que uma simples e informal tentativa de conciliação entre as partes. É uma atividade: um conjunto de atos coordenados, que, por si só, implicam em um procedimento.

Enquanto a Conciliação é a ultimação de um ato isolado, a Mediação demanda uma cadeia de atos. Não há entre a Mediação e a Conciliação uma relação de gênero e espécie. Dentro de um procedimento de Mediação poderão ocorrer tantas tentativas de conciliação quanto forem as oportunidades que se apresentarem.

Outro ponto que ajuda a diferenciar a Mediação da Conciliação é que a primeira é uma atividade técnica. Apesar da Lei não definir o que é uma atividade técnica, num determinado ponto, indica que o Mediador deve ser capacitado. Entretanto, a noção de capacitação é vicariante na Lei. Isto porque, ao cuidar do mediador judicial, a Lei estabelece critérios bastante claros: a) formação superior há mais de 2 anos; b) capacitação em escola reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; c) eventual complementação de requisitos a serem estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.

Já, quando indica a capacitação do mediador extrajudicial, a Lei é falha. Isto porque aduz que poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que goze da confiança das partes e que seja capacitada a fazer a Mediação[2]. Ora, se na definição da Mediação a Lei impõe que ela seja uma atividade qualificada pela técnica, ao tratar do mediador extrajudicial a Lei pecou por não ressaltar esta qualificadora.

Nem mesmo definiu o que entende por capacidade para realizar a mediação no caso dos mediadores extrajudiciais. Que linha seguir? Deve o Mediador Extrajudicial ser capacitado nos mesmos moldes do Judicial, tomando de empréstimo a regulamentação da própria Lei? Deve o intérprete considerar que a Lei, ao tratar em artigos diversos a capacitação do Mediador Judicial e a do Mediador Extrajudicial, deixou de exigir para este a chancela da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM?

Por certo, estes pontos não estão resolvidos. Até o momento, não se conhece qualquer caso que tenha sido levado ao Judiciário para apreciar a questão da capacitação dos Mediadores Extrajudiciais. Sob risco de censura posterior, entende-se que não é razoável exigir-se do Mediador Extrajudicial a formação em escola chancelada pela ENFAM. Por um lado, a Lei não o exige expressamente. Por outro, em que pese a novidade da Lei no ordenamento jurídico brasileiro, a Mediação já ocorre de longa data, à margem de um regulamento estatal, sobretudo nas grandes associações de categorias econômicas. Tais Mediações vêm ocorrendo com razoável grau de sucesso, a despeito da formação certificada pela ENFAM. Aliás, a eficiência tem sido alcançada mediante o uso de Mediadores capacitados pelo próprio setor econômico. A este respeito, vejam as experiências dos clearing houses, especialmente o da IATA (International Air Transport Association), que media as controvérsias entre empresas aéreas. Naquela sede, os Mediadores não têm formação chancelada pela ENFAM, mas os resultados são bastante satisfatórios, sendo pouco noticiada a existência de conflitos judicializados entre empresas aéreas aderentes ao clearing house.

Ademais, a Mediação já era praticada nas principais Câmaras Arbitrais do Brasil. Ao amparo da Lei de Arbitragem, o procedimento de Mediação já era efetivamente adotado ao menos desde 1979, com a inauguração do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil Canadá, historicamente a mais antiga Câmara Arbitral em funcionamento no país. Tanto assim que o regulamento da Câmara sempre previu a Mediação incidental ou preparatória. Fosse o Mediador Extrajudicial forçado a adotar uma capacitação chancelada, haveria entre eles, que não possuem poder decisório, e os árbitros, que são juízes de fato, um contrassenso lógico.  Isto, sem falar, por exemplo, do que ocorre com a Mediação Internacional, que, sendo plenamente reconhecida, cuida de grandes controvérsias, sem que os mediadores tenham sido chancelados.

Por estes fatores, é possível se arriscar a interpretação de que, quando a lei fala em capacitação dos mediadores extrajudiciais, está se referindo a uma capacidade conciliatória genérica e factual, não necessariamente atrelada à chancela da ENFAM. Mas, embora omisso na locução do artigo 9º, da Lei de Mediação, o Mediador Extrajudicial há de ter capacidade técnica, harmonizando-se a Lei com o conceito por ela mesma enunciado.

A Lei de Mediação traz mais um desafio bastante importante: a sua aceitação perante o grande público. A Lei elege para a Mediação um procedimento inicial muito assemelhado ao procedimento de instauração de um Tribunal Arbitral. Assim, a preparação da Mediação envolve um labor custoso e relativamente técnico, não sendo afeito às relações comerciais mais corriqueiras. Tal como ocorre com a Arbitragem, vislumbra-se que as Mediações Extrajudiciais somente serão efetivadas quando o contrato comercial entre as partes, de onde deflui o litígio, contiver cláusula de Mediação muito bem redigida. Considerando que a prática nacional é de maior informalidade, mesmo nas relações de fornecimento entre empresas, a ocorrência de uma cláusula de mediação tende a se tornar rara.

A Lei não prestigiou a Mediação Extrajudicial por si mesma. Bem ao contrário, embora a prática de informalidade contratual seja regra vigente no país, a Lei acentuou este ponto ao prever que, nos contratos sem a presença da cláusula de Mediação, o Mediador somente poderá cobrar custas quando for instaurada a Mediação: leia-se, quando ambas as partes do conflito aderirem à Mediação. Assim há um desestímulo à figura da Mediação Extrajudicial, considerando-se uma realidade muito peculiar da prática jurídica brasileira.

Outro indicativo de que a Mediação não clausulada é desprestigiada na Lei reside nos requisitos do convite para iniciar a Mediação aplicáveis a esta espécie. Especificamente, o requisito de indicação de possíveis Mediadores[3]. A parte que convida deve indicar 5 pessoas capacitadas e idôneas, com conhecimento técnico para servirem de mediadores, sob pena do convite não ser considerado válido. Ora, o número de pessoas é bastante elevado e, por certo, implicaria numa atividade bastante custosa para fazer seu levantamento. Além do mais, considerando o grau de isenção que deve existir entre o mediador e as partes, é muito difícil que se consiga atingir este número sem que haja um mínimo de divulgação da controvérsia aos candidatos a Mediadores, tendendo a comprometer a confidencialidade e a isenção destes.

Ademais, há que se considerar que a Lei também desprestigia a Mediação para os casos em que não há cláusula expressa no contrato, ao estabelecer que a sanção para a parte que a ela se recusar será de 50% (cinquenta por cento) sobre as verbas sucumbenciais, incluindo honorários advocatícios, caso venha a ser vencedora da ação ou do procedimento arbitral, se a parte convidada não comparecer à primeira reunião. Mesmo considerando que tal valor pode ser elevado para causas cujo objeto mediato tenha maior valor, ainda assim, não é uma sanção de todo forte, considerando o impacto econômico e o custo de oportunidade, especialmente os impactos inflacionários e de juros financeiros. Numa situação corriqueira, na qual o valor aproximado de custas judiciais é de 1% (um por cento) sobre o valor da causa e os honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10%, o valor da sanção para a parte será de aproximadamente 5,5%, lembrando que quanto mais caro o objeto mediato, menor o percentual que representam as custas judiciais, devido aos critérios tributários de teto deste tributo.

Em favor da Mediação Extrajudicial milita um fato primordial: sendo, ao cabo do procedimento, um negócio jurídico intermediado entre as partes, a Mediação permite que as partes se afastem das soluções preconcebidas pela Lei Material, podendo, inclusive, inovar o estado de fato do negócio originalmente entabulado. A Lei costuma conter disposições e soluções médias, aplicáveis, em geral, a todo e qualquer contrato, independentemente do bem econômico que é objeto da relação obrigacional. Desde que o direito obrigacional se uniu, em detrimento da dicotomia antes existente entre a Lei Civil e a Comercial, ressente-se a prática de uma regra que prestigie o papel do costume e dos usos comerciais, especialmente aqueles atrelados à negociação de um determinado bem da vida. Ocorre que a prática referente a alguns mercados é tão arraigada, existindo até em alguns casos leis modelos (soft laws), que perpassam ao segmento um sentido de obrigatoriedade, embora na lei positivada, diversa seja a solução. A Mediação Extrajudicial permite aflorar estes traços tão característicos dos setores econômicos, que afloraram aos moldes da Lex Mercatória, sepultados pela unicidade do sistema das obrigações, pós Código Civil de 2002.

No geral, a Mediação Extrajudicial é um expediente de suma justiça econômica e, se bem aplicado, um fator de pacificação de controvérsias bem mais eficiente do que os tradicionais meios, nos quais se outorga aos julgadores o poder de substituição à vontade das partes.

[1]  Tal é o teor literal do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 13.140/2015.

[2] Art. 9o Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.

[3] Art. 22. § 2o Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os seguintes critérios para a realização da primeira reunião de mediação: (…)
III – lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista;

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