A PRÁTICA DA JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA PELOS TRIBUNAIS E AS VIOLAÇÕES ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS E PROCESSUAIS DOS JURISDICIONADOS

Camila Vieira Guimarães
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

Os Tribunais brasileiros, especialmente os Tribunais Superiores, há vários anos têm replicado prática de não conhecimento de recursos sob o argumento de inobservância de pressupostos de admissibilidade recursal, pautados por óbice formal e rigor exagerado. É a chamada jurisprudência defensiva, fortemente criticada pela advocacia, e que acarreta graves lesões às garantias fundamentais e processuais dos jurisdicionados.

Por mais que o CPC/2015 tenha trazido dispositivos que colaboram com a apreciação do mérito recursal, mitigando a possibilidade de aplicação da jurisprudência defensiva, a exemplificar, o fim da deserção de recurso diante de preenchimento incorreto ou incompleto da guia de custas¹ e possibilidade de fungibilidade do recurso especial fundamentado em matéria constitucional², é prática ainda recorrente dos Tribunais subterfúgios , por vezes sem respaldo legal, para inadmissibilidade dos recursos, o que muitas vezes pode ser creditado ao anseio em reduzir o número de feitos submetidos às Cortes Superiores.

Sem dúvida, é notória a sobrecarga de demandas judiciais em todas as searas judiciais, incluindo os Tribunais Superiores. Não se pode desprezar, no entanto, que as condições estruturais e de gestão dos Tribunais também contribuem para tal quadro de descalabro.

Assim, a prática da jurisprudência defensiva, não pode ser adotada como forma de resolução deste impasse. Obstar a análise de mérito de recursos como forma de desafogar a sobrecarga processual contraria a legislação pátria, gerando ofensas de ordem constitucional e processual.

O entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, defendendo a impossibilidade de comprovação a posteriori da tempestividade de recurso na hipótese de não ter sido demonstrada documentalmente a existência de feriado local no momento de sua interposição do recurso, aplicando restritivamente o art. 1.003, §6º do CPC/2015³, é um dos maiores exemplos de jurisprudência defensiva. A mesma Corte decidiu no AgInt no REsp n. 1.715.972/MA no sentido de comprovação, inclusive, de feriados tidos “nacionais”⁴, o que torna ainda mais flagrante a abjeta prática.

Isso porque, a redação do art. 1.003, §6º do CPC/2015 é clara ao determinar que compete ao recorrente a comprovação do feriado local, mas não há determinação de comprovação estritamente no ato de interposição do referido recurso, o que permite concluir que o vício seria sanável, tal como o é quando há irregularidade na representação processual.

A advocacia e os mais prestigiados doutrinadores entendem que tais decisões infringem as garantias constitucionais de acesso à justiça e devido processo legal, prejudicando a efetiva prestação jurisdicional, suprimindo o direito de apreciação do mérito da decisão que se pretende modificar, o que contraria frontalmente o espirito que o legislador conferiu ao Código de Processo Civil promulgado em 2015, que prima pela desvirtuando pela redução de formalismos desregrados que prejudicam a efetiva prestação jurisdicional.

A prática da jurisprudência defensiva dos Tribunais motivou um manifesto assinado por importantes entidades da advocacia: a Associação de Advogados de São Paulo (AASP), a Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) e Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).

Em suma, o manifesto reconhece a prática dos Tribunais que, deliberadamente, adotam atos para reduzir o número de processos sujeitos à apreciação de mérito, consistindo em atentado aos direitos fundamentais e processuais. Tais entidades não admitem o argumento de congestionamento de pautas de julgamento, o que não justifica a adoção de medidas que atentem às garantias individuais dos cidadãos. Devendo, para tanto, serem adotadas medidas administrativas para melhorar a eficiência da gestão pública. Ressaltam ainda, que as normas inerentes aos pressupostos recursais, principalmente normas limitadoras e instrumentais, devem ser interpretadas restritivamente, bem como que a inadmissão de recursos deve ser baseada na legislação processual expressa.

A crise estrutural que assola o Poder Judiciário não justifica a aplicação do formalismo irrestrito evidenciado em tais decisões, pois contrariam direitos e garantias constitucionais e processuais, além de ir na contramão do avanço legislativo de valorização do direito material tutelado sobre a forma processual. Além disso, denigrem a imprescindível atuação dos Tribunais Superiores, na medida que promovem a uniformização do direito e a segurança jurídica.

O Escritório Marcos Martins Advogados, cuja atuação é pautada ela lealdade, boa-fé e colaboração processual, repudia a prática de jurisprudência defensiva e endossa o manifesto “A Advocacia se opõe à prática da jurisprudência defensiva pelos Tribunais brasileiros” na sua integralidade.

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¹Art. 1007, §2º do Código de Processo Civil de 2015.

²Art. 1.032, caput do Código de Processo Civil de 2015.

³STJ. AgInt no AREsp nº 957.821 – MS (2016/0196884-3). Relator (a): Ministro Raul Araújo. Corte Especial. Data do Julgamento: 20/11/2017. Data de Registro: 19/12/2017.

⁴STJ. AgInt no REsp nº 1.715.972 – MA (2017/0325647-1). Relator (a): Ministro Campbell Marques. Segunda Turma. Data do Julgamento: 15/05/2018. Data de Registro: 18/05/2018.

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