Tatiane Bagagí Faria
Advogada do escritório Marcos Martins Advogados
O cenário atual do Poder Judiciário brasileiro é marcado por um número elevado de ações, sendo que a maioria deste volume está relacionado a inadimplemento de obrigações, visto que os credores se veem obrigados a recorrer a tutela jurisdicional para satisfazer seus direitos por meio do ajuizamento de execuções judiciais.
Historicamente, o processo de execução encontra muitas dificuldades para alcançar a efetividade do que se almeja, seja em virtude da falta de celeridade do procedimento ou pela frustração na localização de bens do devedor, razão pela qual fez-se necessário estudo de ferramentas que dessem ao Magistrado o poder de efetivar suas determinações, concretizando as normas jurídicas, e compelindo o executado a cumprir com suas obrigações
Neste sentido, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) trouxe como norteador da atuação jurisdicional a eficiência, aliada à celeridade, na busca da satisfação dos interesses dos jurisdicionados. Nesta seara, a fim de alcançar a máxima da efetividade das execuções, passou a instituir uma série de dispositivos, dos quais merece destaque o artigo 139, IV[1], que concede ao julgador o poder de aplicar medidas coercitivas não tipificadas, ou seja, valer-se dos meios executivos que considerar mais adequados ao caso concreto a fim de que haja o alcance do patrimônio e consequentemente a satisfação da obrigação.
Inicialmente, importante salientar que o princípio da efetividade atinge de forma direta e especial o processo de execução, visto que o objetivo de tal procedimento é fazer cumprir, de forma concreta, a obrigação devida ao credor através do alcance ao patrimônio do devedor. Nesta esteira, afirma o doutrinador Alexandre Freitas Câmara que a execução é “uma atividade jurisdicional de transformação da realidade ou, como já se afirmou em notável sede doutrinária, atividade que importa em modificações no mundo físico exterior”[2].
Sendo assim, nada mais acertado que o juiz tenha meios adequados de exigir o cumprimento da obrigação que reconheceu devida, visto que não teria sentido efetivar decisões sem os instrumentos necessários para fazer cumpri-la.
Todavia, quando se busca alcançar o resultado almejado, o julgador deve analisar, especialmente, a sua necessidade no caso concreto, garantindo que haja equilíbrio entre o resultado almejado pelo exequente e os direitos fundamentais do executado, respeitando os princípios basilares constitucionais e também previstos nos artigos 8º, 9º e 10, do diploma processual, que são a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, a razoabilidade, a eficiência e o contraditório.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos básicos da Carta Magna brasileira, constante do artigo 1º, inciso III[3], e é uma garantia da impossibilidade de violação dos direitos e garantias fundamentais do ser humano. Consoante a este princípio, os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade deliberam que a medida atípica aposta seja contrapesada com o resultado ansiado pela parte credora, devendo o juiz, sempre que possível, fazer a adoção da medida que seja menos prejudicial a parte devedora.
Nessa perspectiva, ainda que haja a possibilidade da adoção de tais medidas, é imposto ao julgador, no momento da aplicação do dispositivo, o dever de observar a presença da equidade entre a generalidade da norma e as peculiaridades do caso, de forma a tornar harmônica a intenção do legislador com a realidade fática.
Reforçando tal entendimento, o nobre doutrinador Fredie Didier Jr[4]., nesse contexto, pontua que:
o processo, para ser devido, há de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber um devido processo legal ineficiente. Mas não é só. Ele resulta, ainda, da incidência do art. 37, caput, da CF/88 (LGL\1988\3). Esse dispositivo também se dirige ao Poder Judiciário. (DIDIER, 2013, p. 433)
Pontuada tal necessidade de análise dos princípios norteadores do processo, pode-se afirmar que as medidas executivas foram trazidas com o intuito de efetivar a execução e atingir o patrimônio do devedor e/ou forçar que ele cumpra com sua obrigação ante a restrição de seus direitos individuais. Logo, surge ao julgador o desafio de equilibrar a adoção das medidas com o mínimo de ofensa aos direitos do executado, de modo que a execução tenha efetividade e ao mesmo tempo não haja um excesso de execução com a restrição de direitos e garantias individuais. As características das partes e do caso concreto devem ser analisadas de forma muito peculiar, visando verificar a condição financeira dos envolvidos, tanto exequente quanto executado, o montante da execução, a tentativa de localizar bens e patrimônio por meios menos coercitivos, que são ferramentas tradicionais dos processos de execução, de modo a não ferir de forma invasiva os direitos e garantias fundamentais do executado e trazer efetividade ao processo.
Nesta esteira, de nada adianta a determinação de suspensão da carteira de habilitação do executado se ele se utilizar desse documento para auferir renda, como é o caso de taxistas, caminhoneiros, etc. Nesse caso hipotético, a aplicação da medida seria uma forma de “castigo” e não de efetividade, pois iria dificultar ainda mais a possibilidade de cumprimento da obrigação ante a impossibilidade de exercer seu trabalho.
Em contrapartida, no julgamento do HC nº 478963, que tem como paciente o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[5] negou pedido liminar que tinha o objetivo de reverter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que determinou a apreensão de seus passaportes como forma de exigir o pagamento de multa cominada em processo ambiental movido em face do ex-jogador. Assim, ante o poder aquisitivo do executado e sua inadimplência, o julgador entendeu como efetiva a aplicação de tal medida a fim de induzir o pagamento da multa.
Desta forma, conclui-se que, apesar de 3 anos de vigência do atual código, ainda há muita divergência entre a doutrina e jurisprudência quanto a aplicabilidade de tais medidas nos processos de execução. Contudo, pelo que se foi apurado, o grande norte desse instituto é a análise de caso concreto em consonância com o princípio da efetividade, visto que é isso que se busca quando da adoção de tais medidas ao executado. Logo, a aplicação de medias coercitivas atípicas de forma desproporcional não atingiriam o objetivo previsto e ainda violariam os direitos e garantias fundamentais do executado, desvirtuando completamente o que se almeja.
Desta maneira, deve-se pesar
pela proporcionalidade da execução e da medida a ser aplicada, buscando que seu
emprego seja efetivo de modo a satisfazer a obrigação, evitando, contudo, a
generalização de tais medidas nos processos de execução em que não se encontram
presentes os requisitos necessários para sua aplicabilidade.
[1] BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Exposição de motivos do Código de Processo Civil. Disponível em: [www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf]. Acesso em: 21.03.2019.
[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos: em defesa dos meios atípicos e da penhora de bens impenhoráveis. Execução civil e temas afins. Do CPC/73 ao novo CPC. São Paulo: Ed. RT, 2014.
[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
[4] DIDIER JR., Fredie. Apontamentos para a concretização do princípio da eficiência do processo. In: FREIRE, Alexandre et al. (Org.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013.
[5] STJ – HABEAS CORPUS Nº 478.963 – RS (2018/0302499-2) – Relator Min. Francisco Falcão, Data de Julgamento: 10/12/2018 – Data de Publicação: DJe 12/12/2018.