Alessandra Renata Rasquel Noronha
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
A recente reforma enfrentada pela legislação processual civil brasileira teve como principal fundamento a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional, especialmente pela tutela executiva, posto que sempre houve nítida dificuldade de execução de valores pelo credor em face do devedor.
A aplicação da atipicidade dos meios executivos ganhou força com o novo Código de Processo Civil, seja pela aplicação de obrigações de fazer ou não fazer e entrega de coisas (Art. 536, §1º e 538, §3º[1]), seja pelos poderes, deveres e responsabilidades do juiz e auxiliares de justiça e, também, dos sujeitos do processo.
Assim, o magistrado passou a ter um poder-dever geral conferido de determinar, independentemente da natureza da situação, todas as medidas coercitivas, sub-rogatórias, mandamentais e indutivas que entender necessárias para a busca de tutela justa, efetiva e em tempo razoável.
O Código de Processo Civil dispôs de forma indiscutível a abrangência da aplicação dos meios atípicos na execução, permitindo que o magistrado escolha e até cumule quais os meios executivos mais satisfatórios para o recebimento da dívida executada.
A autorização para aplicação dos meios atípicos na execução, está inserida no Artigo 139, inciso IV do CPC:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Sem dúvida, meios executórios não convencionais são um significativo mecanismo de controle da efetividade da tutela jurisdicional e mais o manejo e emprego do artigo 139, inciso IV do CPC/2015 induz o devedor para o pagamento do débito, em razão da imposição de medida coercitiva consubstanciada, como exemplo, na suspensão da Carteira de Habilitação ou suspenção de licenças de operação ou alvarás de funcionamento até que a execução seja solvida.
Contudo, apesar da ampliação de poderes albergada pela reforma processual, a sua atuação do Juíz deve ater-se aos limites constitucionais, sempre com imparcialidade e razoabilidade.
A possibilidade de aplicação de meios atípicos na execução é polêmica e está sendo debatida pelos doutrinadores e também nos Tribunais de Justiça. Inclusive, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em aplicação ao Artigo 139, inciso IV do CPC, determinação de suspensão da Carteira de Habilitação do Executado, a apreensão de passaporte até o efetivo pagamento da dívida, bem como o cancelamento dos cartões de crédito.[2] Ou seja, tratam-se de claros exemplos de aplicação das formas atípicas de execução para induzir o executado ao pagamento da dívida.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis se pronunciou por meio do enunciado nº 12, o qual dispõe:
A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.
Ressalta-se que para a aplicação dos meios atípicos na execução, deve-se observar a disposição dos princípios da boa-fé objetiva e do princípio da cooperação, previstos nos artigos 4º, 5º e 6º do CPC/2015. O magistrado deverá observar os parâmetros constitucionais (Artigo 5º, CF), ou seja, princípio da dignidade da pessoa humana, legalidade, proporcionalidade parâmetros e processuais dispostos no artigo 8º do Código de Processo Civil[3], ou seja, com o fim de atender os fins sociais e às exigências do bem comum.
Tutelar a atipicidade dos meios executivos é buscar a garantia de efetividade das sentenças judiciais, coagindo o devedor a realizar o pagamento do débito, muito embora a medida não resulte na obtenção efetiva da tutela propriamente dita, ou seja, o pagamento, serve para compelir o devedor a sair do “estado de inércia” no processo para uma efetiva atuação e busca pela resolução do conflito.
Neste sentido, evidente que os meios atípicos de execução, não podem, de maneira nenhuma, serem manejados com o intuído de “punição” do devedor, posto que tal ato estaria em confronto direto com normas constitucionais vigentes; pelo contrário, são utilizados para a busca da tutela efetiva na execução.
E mais, na aplicação de meios atípicos, alguns pontos precisarão ser observados, quais sejam, constatação de que as medidas atípicas auxiliarão, de alguma forma, para a obtenção da tutela pretendida, de forma tempestiva, adequada e efetiva, restar comprovado que o devedor está se esquivando do pagamento da dívida mesmo possuindo condições financeiras para tanto, a pertinência da situação fática e jurídica abordada no caso e a qual o melhor caminho a ser adotado pelo magistrado.
Assim, em todos os casos é importante assegurar a finalidade da norma e as formas de utilização da atipicidade, a fim de assegurar a efetividade da tutela pretendida e o justo resultado para ambas as partes.
Portanto, é indiscutível que as medidas atípicas não poderão ser aplicadas de forma indiscriminada e sem fundamentação para que não ocorra qualquer abuso por parte dos magistrados e, também, prejuízos e ofensa, muitas vezes sem utilidade, a direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
O escritório Marcos Martins Advogados está apto a assessorar seus clientes na busca efetiva pela melhor resolução de conflitos executivos, inclusive, inserindo-se em seus pedidos, na medida do possível, a aplicação dos meios atípicos nas execuções.
[1] Art. 536. § 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
Art. 538. § 3o Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer.
[2] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Execução de título extrajudicial nº 4001386-13.2013.8.26.0011, da 2ª vara cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, Juíza de Direito Andrea Ferraz Musa, São Paulo, SP, 25 de agosto de 2016. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?nuProcesso=4001386-13.2013.8.26.0011&cdProcesso=0B0012QC40000&cdForo=11&baseIndice=INDDS&nmAlias=PG5REGDS&tpOrigem=2&flOrigem=P&cdServico=190101&ticket=8pxtiCODOpFbyo6bQn7kIMo7DbaRQP0ciU9v3jTQY9CCy4IUZbNOKN4F0xYudKlvOebcg5zAdP8aZykYeF7MqH01dlp92%2BGHI0iHgKWVoS2vkQg%2Fd2Uzp%2BGny%2BKR%2BYOwE4ZYwx65w7OX4pS93VVORsBZpiHhBJhukReAZVN0TXLT5xLC%2Bl7YWqFsBQcY0A4oOtB5P1Ka6G%2BR7zn1kzFYoYyd9%2FJHoeG1pfI3wBe2zZw2Zy76ciWSfDi7mBSTwnbPX%2Fj6i5dnd3gxMQ7Kvd4jLGdzl7p5lGm1s3xPWlRfd04%3D>. Acesso em: 20 de abr. 2018.
[3] Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.