Nathália Guedes Brum
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
A sociedade empresária possui personalidade jurídica própria, com direitos e obrigações, sendo titular de patrimônio social distinto de seus sócios. Não obstante, tem sido comum que o poder judiciário, com vistas à efetivação das execuções, desconsidere o isolamento patrimonial e atinja o patrimônio pessoal dos sócios.
Nesse compasso, visando coibir abusos ou fraudes contra credores, o artigo 50 do Código Civil[1] prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, como medida excepcional, subordinada à comprovação do abuso da personalidade jurídica, que tem por escopo alcançar o patrimônio dos sócios-administradores.
É certo que tal medida, por sua excepcionalidade, deve atingir apenas os sócios que se utilizam dessa autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins ilícitos, com o propósito de fraudar credores.
O STJ firmou entendimento de que para ocorrer a desconsideração da pessoa jurídica são necessários o requisito objetivo de insuficiência patrimonial do devedor e o requisito subjetivo de desvio de finalidade ou confusão patrimonial[2].
O primeiro requisito, objetivo, consiste na inexistência de bens no ativo patrimonial da empresa suficientes para a satisfação do débito, ou seja, na frustação de todas as tentativas para obter-se o crédito.
Já o requisito subjetivo, exige prova do desvio de finalidade, que consiste no afastamento do objeto social descrito no ato constitutivo com o objetivo de fraudar e abusar do direito, ou pela prova da confusão patrimonial, caracterizada pela ausência de separação entre o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas.
Salienta-se que apenas a inadimplência ou demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou a dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, não ensejam, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica. É necessário provar o abuso da personalidade jurídica, seja através da associação, por exemplo, da dissolução irregular com outros indícios, como o esvaziamento da pessoa jurídica, configurando-se o desvio de personalidade com objetivo de impedir o cumprimento das obrigações pactuadas, o que autorizará, desta forma, a desconsideração da personalidade jurídica.
Regulado pelos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil, o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, e será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
Deve-se observar os pressupostos legais específicos para sua instauração, sob pena de indeferimento.
A instauração do incidente suspenderá o processo, exceto se a desconsideração for requerida na inicial, mas em ambos os casos deverá ser observado o contraditório, citando o sócio ou a pessoa jurídica para manifestar-se e requerer as provas cabíveis.
Com o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica passarão a estar sujeitos à execução os bens do sócio ou administrador, não limitado à quota social. A alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Frise-se que se trata de medida excepcional, que somente poderá ser adotada se um dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, esteja devidamente comprovado e evidenciada a intenção ilícita e fraudulenta para lesar credores ou terceiros.
Esclarece-se que tais requisitos não se aplicam na relação de consumo, que possui regramento específico, no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor[3], bastando que haja abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ocorrência da falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Ou seja, diversamente dos requisitos civilistas, na relação de consumo, não há necessidade de fraude.
O escritório Marcos Martins Advogados está apto a assessorar tanto os credores que em meio a uma execução frustrada busquem a satisfação de seu crédito, quanto aos sócios que temem a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária e afetação de seu patrimônio pessoal, buscando a alternativa mais adequada e assegurando a total observância dos requisitos legais.
[1] Art. 50, CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[2] Precedentes: REsp 970.635-SP, DJe 1º/12/2009; REsp 1.200.850-SP, DJe 22/11/2010, REsp 693.235-MT, DJe 30/11/2009 e REsp 1.141.447-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 8/2/2011.
[3] Art. 28, CDC. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.