Nathália Guedes Brum
Advogada do escritório Marcos Martins Advogados Associados
É muito comum os locatários realizarem benfeitorias e/ou acessões no imóvel locado durante a vigência do contrato de aluguel, para o fim de atenderem às necessidades de seu negócio, ou seja a locação comercial, as quais se incorporam ao bem e, consequentemente, valorização do imóvel.
A controvérsia paira sobre a possibilidade dessa valorização do bem, oriunda de benfeitorias e/ou acessões, realizadas pelo próprio locatário, refletir na base de cálculo para reajuste do valor do aluguel em favor do locador durante a vigência da locação.
Não há previsão específica na lei quanto ao aumento de área construída, por exemplo, mas há autorização expressa no artigo 19 da Lei nº 8.245/1991[1] para revisão do valor da locação, após três anos de vigência do contrato, visando ajustá-lo ao preço de mercado, e, assim, restabelecendo o equilíbrio contratual.
Neste sentido, importante distinguir a revisão contratual disciplinada pelo artigo supramencionado do reajuste previsto contratualmente. Sylvio Capanema de Souza[2] ensina que:
A ação revisional, como se verá no momento oportuno, quando sobre ela discorremos, é o mecanismo que assegura a comutatividade do contrato, mantendo o aluguel ao nível do mercado, ora o elevando, ora o reduzindo, segundo suas oscilações, e não sendo possível a celebração de acordo, o que é sempre mais recomendável. O objetivo da ação revisional é ajustar o aluguel ao nível do mercado, restabelecendo-se o equilíbrio inaugural do contrato. Logo, não há limites percentuais para a elevação do locativo, que dependerá da realidade do mercado, à época da ação. As correções legais e/ou contratuais, verificadas no curso do triênio, não inibem a ação revisional, a não ser que tenham sido suficientes para manter o aluguel atualizado, o que, em geral, não tem ocorrido (grifamos).
Trata-se, portanto, de possibilidade de revisão judicial do valor do aluguel, durante a vigência locação, buscando o equilíbrio do contrato, seja para majorá-lo ou reduzi-lo, com base no valor de mercado do bem, considerando todas as circunstâncias capazes de afetar o preço de mercado imobiliário.
Assim, dada a possibilidade legal de revisão judicial do valor do aluguel para adequá-lo ao valor de mercado, a controvérsia na possibilidade de considerar a valorização do imóvel oriunda de benfeitoria ou acessão, realizada pelo próprio locatário e ainda não indenizada pelo locador, como causa para readequação do valor do contrato.
Lei nº 8.245/91[3] e o artigo 1.255 do Código Civil
O artigo 35 da Lei nº 8.245/91[4] e o artigo 1.255 do Código Civil[5] estabelecem que devem ser indenizadas, ao fim do contrato, as benfeitorias ou acessões construídas pelo locatário com o consentimento do locador.
Nesta linha, há o entendimento de que a revisão do valor do aluguel deve considerar o valor do imóvel na ocasião de celebração do contrato de locação, sob pena de enriquecimento ilícito do locador. Isto porque, a indenização pela valorização realizada pelo locatário somente ocorrerá, em tese, ao final do contrato de locação. Acaso, a indenização fosse paga ao locatário imediatamente após a obra, seria devido considerar o aumento do aluguel com base na valorização do bem.
Sob esse enfoque, defende-se que o desequilíbrio contratual é medido considerando apenas elementos externos do contrato, relacionados à localização do imóvel, por exemplo, e que a benfeitoria ou acessão não causa dano ao locador e, tão pouco, desequilibra o contrato para justificar a revisão sob esse fundamento, ao contrário, valoriza o bem para as locações futuras. Entende-se que seria um duplo favorecimento ao locador em desfavor do locatário, o que seria vedado por nosso ordenamento jurídico.
Embargos de Divergência[6], a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Por outro lado, em julgamento de Embargos de Divergência[7], a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu pela possibilidade de majoração do aluguel na ação revisional de locação comercial, decorrente da valorização do imóvel implementada por benfeitorias ou acessões realizadas pelo locatário, visto que esses acessórios se incorporaram ao domínio do locador, proprietário do bem, independentemente de quem arcará com tais investimentos.
No julgamento dos Embargos, a Ministra Nancy Andrighi asseverou que
A hipótese de que apenas quando o investimento é realizado por conta e risco do locador estaria autorizada a majoração do aluguel, em verdade, limita sobremaneira as relações privadas de locação e acaba por deslocar a lógica que subjaz esses contratos no que diz respeito à vinculação do valor do imóvel ao correspondente preço do aluguel.
Sob este prisma, entende-se que não existe acumulo ilícito a locador, uma vez que a lei garante ao proprietário o direito aos frutos e mais produtos do bem que lhe pertence, consoante disposto no artigo 1.232 do Código Civil[8].
Soma-se a isso, o fato de que os locadores deverão, ao final do contrato, indenizar as benfeitorias e/ou acessões realizadas, sob pena retenção pelo locatário, terão sim, arcado com os custos da valorização do bem.
Ademais, admitir que o locador/proprietário do imóvel seja compelido a pagar ao locatário pela benfeitoria realizada, mas esteja impedido de auferir os ganhos provenientes dessa valorização, seria admitir o enriquecimento sem causa do locatário e não do locador.
Assim, com base nas normas legais supramencionadas e em julgado da Corte Especial do STJ, tem-se que benfeitorias ou acessões realizadas pelo locatário, com autorização do locador, devem refletir no novo valor do aluguel, obtido na esfera de ação revisional de contrato de locação, ainda que não indenizadas previamente.
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[1] Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá–lo ao preço de mercado.
[2] SOUZA, Sylvio Capanema. A Lei do Inquilinato Comentada. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, págs. 100/101.
[3] Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.
[4] Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.
[5] Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
[6]STJ, EDcl nos EDcl nos Embargos de Divergência em RESP nº 1.411.420 – DF (2013/0349083-6), Relatora Ministra Nancy Andrighi, Data do Julgamento: 04 de setembro de 2019.
[7]STJ, EDcl nos EDcl nos Embargos de Divergência em RESP nº 1.411.420 – DF (2013/0349083-6), Relatora Ministra Nancy Andrighi, Data do Julgamento: 04 de setembro de 2019.
[8] Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.