Marli Emiko Ferrari Okasako
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
Uma das vertentes da responsabilidade individual da empresa que acaba por influenciar na temática do direito ao meio ambiente do trabalho é o da responsabilidade socioambiental, iniciada sob a perspectiva do dever de reparar os danos ambientais causados.
O que se pretende aqui é fazer uma rápida abordagem sobre a responsabilidade socioambiental da empresa, tanto no aspecto externo como no interno, relembrando os seus conceitos e suas características na atualidade, bem como trazendo à baila o embasamento na Carta Magna de 1988, que imputa ao empresário um papel de coadjuvante ao do Estado para o respeito aos direitos fundamentais e o cumprimento das normas constitucionais.
Já de início, tratando do papel das empresas perante a responsabilidade socioambiental, Bertoncini e Tonetti[1] (2013, p. 369) enfatizam:
O empresário tem papel fundamental como coadjuvante do Estado no cumprimento dos ditames constitucionais. Isto porque a Carta Magna de 1988, reconhecendo o importante papel na sociedade da empresa, elenca em seu art. 170 alguns princípios da atividade econômica, quais sejam: a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, a função social da propriedade, a livre concorrência e a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades sociais e regionais, a busca do pleno emprego, o tratamento favorecido para empresa se pequeno porte, postulados que têm por finalidade assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social.
Desta forma, tem-se que o papel do empresariado no Brasil se mostra de fundamental importância para a sociedade e a economia do país: (i) para a sociedade porque gera renda, empregos, desenvolvimento técnico e social, além de auxiliar no desenvolvimento cultural da comunidade em torno, dentre outros benefícios; e (ii) para o país porque gera renda e recursos aos cofres públicos através de arrecadação de impostos, captação de recursos externos, movimentando a economia de forma geral.
Melo Neto e Froes[2] (2001, p. 88-89), ao tratarem da responsabilidade socioambiental das empresas, entendem que os projetos sociais externos e as ações sociais voltadas para a comunidade não só promovem resultados diretamente na imagem consolidada da empresa-cidadã, mas os resultados vão além, pois desenvolvem os empregados destas empresas para novas competências, elevando a sua autoestima e proporcionando orgulho à empresa que desenvolve estes projetos socioambientais. Além do envolvimento social externo, internamente, a empresa também desenvolve ações sociais objetivando melhorarias na qualidade de vida no meio ambiente do trabalho e, com isto, obtém ganhos maiores de produtividade com uma equipe motivada e comprometida com o alcance dos resultados almejados, o que faz surgir uma nova cultura empresarial, centrada na valorização das ações sociais externas e na prática do voluntariado.
O incentivo ao meio ambiente salubre e às atividades sociais dentro da empresa relaciona-se diretamente com o ganho na produtividade, gerando resultados e exemplos a serem seguidos externamente que refletem na comunidade vizinha e mesmo na própria sociedade. Neste diapasão, Alves[3] (2011, p. 52.) preleciona que não há dúvida de que das atividades que se relacionam com a responsabilidade social empresarial aquela que evidencia maior proeminência é a que se preocupa com o público interno e com as práticas trabalhistas e socioambientais que seus fornecedores adotam.
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social[4] afirma que o empregado é um dos mais importantes stakeholders da empresa e, assim, atuar de forma socialmente responsável com o público interno significa mais do que respeitar os direitos garantidos pela legislação. Respeitar as normas trabalhistas é imprescindível, mas também é necessário investir no desenvolvimento pessoal e profissional de seus empregados, assim como oferecer sucessivas melhorias nas suas condições de trabalho.
Para que haja uma harmonia e uma efetiva atuação dos envolvidos para a consecução de atividades relacionadas à responsabilidade social, o Instituto Ethos entende que o público interno deve estar inserido nas decisões estratégicas, como aumento de produtividade, substituição de recursos, avaliação de fornecedores, melhorias operacionais e outras medidas que colaborem para o desenvolvimento contínuo da empresa na adoção de uma gestão socialmente responsável. Nesse contexto, as empresas têm o desafio de aumentar os níveis de competitividade e produtividade, paralelamente à preocupação com a legitimidade social de sua atuação[5].
Por esse olhar, cada área da empresa – na qual a experiência do dia-a-dia favorece o acúmulo de conhecimento em determinadas especificidades – tem potencial para oferecer melhorias nas suas searas de atuação. As propostas de mudança realizadas de dentro para fora são mais fiéis à cultura da empresa. E, com a aproximação dos funcionários, ganham força social desde a sua concepção (grifo do autor)[6].
O envolvimento dos empregados como forma de auxiliar na obtenção de dados, ideias e sugestões de melhoria já é um indicador de valorização destas pessoas, pois são elas os verdadeiros atores da peça teatral real, sendo assim sinal de reconhecimento ético da dignidade da pessoa humana.
Nesta esteira, para a consecução da responsabilidade social, Melo Neto e Froes[7] (2001, p. 109) enfatizam que os empregados e seus dependentes que desempenham papéis dentro e fora da empresa atuam como agentes sociais e são os promotores da responsabilidade social corporativa ao trabalharem como voluntários em programas sociais, ao difundirem os valores éticos em suas relações com os diversos públicos da empresas e ao assumirem atos sociais responsáveis em seu cotidiano.
Os reflexos dos investimentos sociais são percebidos e identificados quando a produtividade da empresa aumenta, além dos gastos com saúde dos funcionários diminuírem. Por isso, a organização consegue desenvolver o potencial, as habilidades e os talentos dos funcionários, multiplicando as inovações colocadas em mercado[8].
Para o Instituto Ethos[9] (2014) a demanda por um modelo de gestão mais colaborativa não é imposta, pois é resultado do desenvolvimento econômico contínuo e da evolução das práticas empresariais, que passaram de simples produção de bens à consciência do papel influenciador que as companhias passaram a ter, simultaneamente ao desenvolvimento da sociedade como um todo.
Sobre o direito ao desenvolvimento como um ato que pode ser desenvolvido por todos, inclusive pelas empresas, Peixinho e Ferraro[10] (2006) sustentam:
Dentre as definições do direito ao desenvolvimento é um processo no pelos [sic] qual os direitos fundamentais e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados e que todas as pessoas humanas e todos os povos devem participar deste processo, uma vez que participação é um dos pontos centrais do direito ao desenvolvimento.
Assim, ainda que seja papel de todos contribuírem para o desenvolvimento social, quando se fala numa empresa, tem-se a evidenciação do dever de colaboração devido ao grande impacto que as atividades econômicas geram na sociedade. Logo, empresas possuem uma função social da qual não podem fugir.
Coelho[11] (2012, p. 76) utiliza a expressão função social ao tratar da responsabilidade social da empresa e assevera:
A empresa cumpre a função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita.
Portanto, é possível concluir que a responsabilidade socioambiental não é uma simples faceta da responsabilidade civil, consolidando verdadeira preocupação com os preceitos constitucionais da função social, colocando-se a atividade empresarial corretamente exercida como fomento ao desenvolvimento social.
Bertoncini e Tonetti[12] (2013, p. 369) asseveram que quando a sociedade empresarial não atua com sustentabilidade ofende vários direitos, especialmente por não obedecer a princípios fundamentais e, assim, justificam que a atividade empresarial deve passar por limitações se necessário para atender sua responsabilidade social.
De certa forma, mesmo que como uma obrigação compartilhada com o Estado, a responsabilidade social é dever das empresas. Iniciar as atividades internamente, beneficiando os próprios funcionários, já traz reflexos diretos no desempenho destes no trabalho e indiretamente produzem reflexo em suas vidas pessoais. Estender esta responsabilidade para o mundo exterior significa respeitar e fortalecer os direitos fundamentais da pessoa humana, proporcionando um desenvolvimento social para a comunidade como um todo.
[1] BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes; TONETTI, Felipe Laurini. Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, constituição e responsabilidade social das empresas. Revista de Direito Brasileira, CONPEDI, Florianópolis, ano 3, v. 5, maio-ago./2013.
[2] MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, César. Gestão da responsabilidade social corporativa: o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001, p. 88-89.
[3] ALVES, Marcos César Amador. Relação de trabalho responsável: responsabilidade social empresarial e afirmação dos direitos fundamentais no trabalho. São Paulo: LTR, 2011.
[4] ETHOS – Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Público interno. Disponível em: <http://www3.ethos.org.br/conteudo/gestao-socialmente-responsavel/publico-interno/#.Uvd-TmJdWSo>. Acesso em: 09 fev. 2014.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, César. op.cit., p. 109.
[8] MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, César. op. cit., p. 24.
[9] ETHOS – Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. op. cit.
[10] PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzane Andrade. Direito ao desenvolvimento como direito fundamental. XV Congresso Nacional do CONPEDI: Desafios da Contemporaneidade do Direito – diversidade, complexidade e novas tecnologias. 15 a 18 de novembro de 2006, Manaus, Amazonas. Anais… Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/anais_manaus.html>. Acesso em: 10 fev. 2014.
[11] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1, p. 76.
[12] BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes; TONETTI, Felipe Laurini. op. cit.