Como preservar a flexibilidade da administração da companhia e seus órgãos colegiados em capital aberto

Giulia Keese Montanhesi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

A Sociedade Anônima, universitas personarum que é, reúne diversos órgãos para estabelecimento, promoção e salvaguarda dos objetivos societários ali concebidos (a vontade social). A estrutura empresarial, tipicamente hierarquizada, estabelece competências para cada um destes órgãos, que buscam, em suas tomadas de decisão, assegurar o desenvolvimento da companhia e a defesa de seus interesses.

A assembleia geral, o conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal representam, juntos, os principais colegiados responsáveis pelas decisões estratégicas da coletividade social, ressalvando-se a possibilidade de criação de novos órgãos. Agregam-se à sistemática organizacional, com vistas ao seu desenvolvimento e frente às novas realidades, a implementação de comitês de governança, conformidade, auditoria, riscos e outros que auxiliem na governabilidade da pessoa jurídica.

O conselho de administração deve fixar diretivas gerais para os negócios da sociedade e cuidar para que estes sejam conduzidos de modo a preservar, com probidade, o bom nome da sociedade. Desempenha, portanto, uma função estratégica, macro-administrativa, ocupando-se das linhas mestras da atuação empresarial.

Por sua vez, à diretoria compete a representação legal da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular. Em caráter microadministrativo, ela deve utilizar-se da assembleia geral para comunicar a condução dos negócios, apresentar alterações estatutárias e demais deliberações relevantes à vontade social.

Já o conselho fiscal acompanha o cumprimento destas atribuições, fiscalizando os atos dos órgãos administrativos em seus deveres legais e estatutários.

Membros da diretoria e do conselho de administração são escolhidos criteriosamente. O controle decisório-estratégico destes órgãos é um “ativo” precioso e mantê-los coesos é um objetivo constante, eminentemente em companhias de capital aberto, condicionadas que estão às normas regulamentadoras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao crivo dos investidores.

Por esta razão, a decisão de fechar o capital é, para muitos, ferramenta que permite maior flexibilidade à administração e atuação dos órgãos, mas é necessária cautela. Há sociedades abertas que fecharam seu capital e, em poucos anos, pela necessidade de novos aportes de valores para ampliar as atividades negociais da empresa, solicitaram novo registro para negociações de ações em mercado aberto.

O fechamento do capital, com o cancelamento do registro para negociação de ações no mercado aberto é, de fato, um movimento arriscado. Nessa linha, propõe-se que há outras formas de defender autonomia decisória dos órgãos colegiados das sociedades anônimas e garantir sua autonomia em capital aberto, por exemplo, sem comprometer aporte de capital externo (acionistas).

É possível preservar o controle dos órgãos colegiados, mantendo conformidade com as regulamentações da CVM e conciliando os interesses dos investidores em capital aberto.

É feito através da diferenciação entre as espécies de ações, com vistas a restringir o direito ao voto dos acionistas nas assembleias gerais. A nomeação de um membro do Conselho de Administração eleito pelos investidores, detentores de ações que possuem direito a voto restrito nas assembleias gerais (ações preferenciais), opera, deste modo, como forma de pacificação interna.

Além disso, convém à sociedade anônima implementar um regimento interno e uma governança corporativa robusta que normatize as responsabilidades, atribuições e regras de funcionamento de cada um de seus órgãos colegiados, separadamente. Atente-se inclusive para o conselho de administração exigências de compliance quanto a procedimentos e medidas a serem adotadas em situações de conflito de interesses.

Dessa forma, não haverá dúvida em relação às competências e autonomias de cada qual dentro da sistemática organizacional e maiores riscos jurídicos, uma vez mitigados pela implementação do compliance e da governança corporativa.

Importa citar que estas ferramentas (compliance e da governança corporativa) não só profissionalizam o negócio em questões organizacionais, como também agregam grande valor à estrutura, perante o mercado e acionistas.[1]

Por fim, é imprescindível que os órgãos colegiados da sociedade anônima estejam alinhados sobre sua estratégia negocial. Uma vez definido o core business e que tal estratégia seja de conhecimento público, o interesse de investidores estará alinhado com a política comercial e financeira proposta pela sociedade e terá, como consequência lógica, seu sucesso no mercado.

Finalmente, a tomada de decisão de uma sociedade anônima, mesmo com diversas interferências das regulamentações da CVM e dos interesses difusos dos investidores, deve permanecer inserida em uma estrutura societária com controle claro dos órgãos da administração, de forma atenta e legitimada por seus instrumentos de constituição e governabilidade.


[1] Para saber mais sobre Governança Corporativa e Compliance, acesse o artigo “A relação entre Governança corporativa e Compliance”, elaborado pela advogada Gabriela de Ávila Machado, publicado em 2 de dezembro de 2020, disponível em https://www.marcosmartins.adv.br/pt/a-relacao-entre-governanca-corporativa-e-compliance/

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