Aline Pardi Ribeiro
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
Em 11 de julho de 2011 foi promulgada a Lei nº 12.441 que alterou o Código Civil Brasileiro com o intuito de inserir a empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) como um novo tipo de pessoa jurídica de direito privado.
Em tese, qualquer pessoa que deseja explorar atividade específica sem cooperação de outros sócios, com responsabilidade limitada ao valor do capital social integralizado, pode constituir EIRELI com o preenchimento de requisitos mínimos, tais como o valor do capital social correspondente a, no mínimo, cem vezes o salário mínimo vigente e a pessoa natural que constituir EIRELI somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
Este instituto serviria para a finalidade, inicialmente, de formalização do setor de empresários individuais, além de constituir uma pessoa jurídica específica para aqueles que detêm sociedades empresárias limitadas, mas que, na prática, tem seus negócios geridos por apenas um sócio.
Entretanto, desde sua constituição a EIRELI é objeto de controvérsia no mundo jurídico em relação ao entendimento sobre sua titularidade, se detida por pessoa natural ou jurídica, o que se deve à existência de uma lacuna na legislação que a concebeu, especificamente ao “caput” do art. 980-A do Código Civil, a seguir transcrito:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
O legislador não especificou o tipo de pessoa que configuraria titular da EIRELI, se natural ou jurídica, dando margem às distintas interpretações. Não obstante, o extinto Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC (atual Departamento de Registro Empresarial e Integração) publicou a Instrução Normativa nº 117 de 22/11/2011 (“IN nº 117”), que entrou em vigor em janeiro de 2012, restringindo o entendimento de que o titular da EIRELI deveria ser apenas pessoa natural, brasileiro ou estrangeiro, residente e domiciliado no país ou no exterior. O DNRC, ao emitir a IN nº 117, extravasou sua competência regulamentar e passou a restringir a titularidade da EIRELI para pessoas jurídicas, o que não havia sido feito pela própria legislação, como se pode concluir pela simples leitura do art. 980-A do Código Civil.
A partir de então a figura da EIRELI teve aplicação restrita, contrariando as disposições de institutos similares à EIRELI existentes em países como Portugal, França e Alemanha, que não restringem a titularidade apenas as pessoas naturais, mas permitem que sejam detidas por pessoas jurídicas também.
A jurisprudência do país começou a se manifestar contrariamente à disposição da IN nº 117. Recentemente, foi proferida uma decisão na 13ª Vara da Justiça Federal de São Paulo sobre o assunto, pelo Juiz Federal Wilson Zauhy Filho, que contesta a disposição contida na IN nº 117, tendo declarado seu entendimento de que a proibição não está de acordo com o que prevê a Lei nº 12.441, que instituiu a EIRELI, no sentido de que “não há distinção de pessoas
naturais e jurídicas como as titulares de uma empresa individual de responsabilidade limitada”. Em decorrência, foi concedida liminar para que a Junta Comercial do Estado de São Paulo (“JUCESP”) realizasse o registro da EIRELI com titular pessoa jurídica, na forma pretendida pelo autor da demanda. Outro julgado sobre o assunto foi obtido no Estado do Rio de Janeiro. Em decisão proferida na 9ª Vara da Fazenda Pública, a juíza Gisele Guida de Faria também entendeu que a IN nº 117 do DNRC restringiu além do previsto na lei que instituiu a EIRELI, e afirmou nos autos que “decorrendo, pois, do princípio constitucional da legalidade a máxima de que ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, não cabia ao DNRC normatizar a matéria inserindo proibição não prevista na lei”.
É esperado que com julgados mais favoráveis à existência de EIRELI a ser detida por pessoas jurídicas, haja a atualização das normas do DNRC a fim de acelerar o Direito Societário brasileiro, uma vez que a alteração dos entendimentos sobre a titularidade da EIRELI poderá servir como atrativo para atrair investidores estrangeiros, diminuir a burocracia que envolve a constituição de empresas no Brasil, além da tendência a aumentar a formalidade das sociedades limitadas que mantém participações mínimas de sócios apenas para atender à exigência legal de pluralidade.