Covid-19 e as Recuperações Judiciais: algumas reflexões

Jayme Petra de Mello Neto
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

Na esteira da situação crítica econômica que se avizinha com a Pandemia de COVID-19, muito se tem estudado e falado sobre os impactos nas relações trabalhistas, contratos, interesses econômicos.

Pouco se tem pensado, entretanto, quando o assunto envolve uma das partes em Recuperação Judicial. Especialmente quando a parte em questão é a Recuperanda.

Apenas para relembrar alguns dos vetores da Recuperação Judicial, é sempre importante ter em consideração que o objetivo principal deste remédio jurídico é a viabilização da superação da situação de crise econômico-financeira do devedor. Este objetivo principal é o norte cardeal que instaura e possibilita que uma determinada empresa seja beneficiária da Recuperação Judicial.

Portanto, desde o instante inicial, quem se encontra já em processo de recuperação judicial está criticamente comprometido sob o ponto de vista econômico-financeiro. E como solução do estado crítico, a lei elegeu o próprio mercado como o juiz da razoabilidade e da capacidade de recuperação. Em que pese o procedimento se passe em sede judicial, o “juiz de fato” da capacidade de recuperação de uma empresa é a sua coletividade de credores e parceiros. É o que se conhece pela business judgement rule, pela qual o mercado é melhor juiz do que o próprio Judiciário.

Numa situação “normal” de funcionamento da Economia, o fluxo normal de uma Recuperação Judicial divide-se em 2 grandes momentos, tendo por marco divisório a aprovação de um Plano de Recuperação Judicial. Este é uma projeção econômica e de negócios, que modela uma ou várias soluções projetando a recuperação da empresa. E o Plano deve apresentar razoabilidade para o mercado em ambos momentos: antes da aprovação do Plano, como indicativo ao mercado da boa-fé ao mercado; após a aprovação, como forma de demonstração do acerto do julgamento de negócio feito pelos credores reunidos em Assembleia.

É importante, também, pensar que desde a alteração do sistema legal, ocorrida em 2005, o objetivo é a recuperação da empresa, como algo que interessa a todos os stakeholders. O antigo sistema, de natureza meramente concordatária, era vocacionado apenas à satisfação paritária do crédito, como máxima do preceito falimentar de par conditio creditorum.

Recuperar é a palavra de ordem. Mas, e como recuperar, ou manter o plano de recuperação, quando surge uma crise geral, sobreposta à crise particular da recuperanda?

É em momentos como estes que a Lei passa por evolução, quando posta a prova a estrutura que ela estabeleceu, fiando-se na boa razão dos operadores do Direito e dos agentes de mercado.

O legalista, aquele que não mais enxerga que a simples mecânica fria da letra da Lei, precisa deixar espaço para todos que se propõem a interpretar a lei de maneira racional, de acordo com a realidade momentânea e projetada para o futuro que a ela desafia.

Apenas para iniciar o debate, considere, por exemplo, a regra de conversão em falência no caso de não cumprimento das obrigações assumidas com o Plano de Recuperação. Até que ponto esta regra deve ser observada em caráter estrito ou, ao influxo da Pandemia, pode ser aplicada a Teoria da Imprevisão e forçar a revisão do Plano, desconsiderando eventuais efeitos moratórios?

Mesmo que grave e efetivamente imprevista a situação, quando se cogita da Teoria da Imprevisão como fator de modificação dos negócios jurídicos, há que se observar ainda que é exigível das partes, como dever atrelado à boa-fé, que tentem ao máximo cumprir o avençado, ainda que de forma modificada. É exigível observar o dever anexo de colaboração antes de se decretar a extinção da relação negocial.

Ou ainda, imagine a situação de uma empresa que ajuizou a Recuperação Judicial e criou um cenário específico no projeto de Plano ou mesmo na minuta de Plano já protocolizada e que passa a enfrentar a situação crítica generalizada. Qual a solução? Já se assinalam as primeiras medidas, ainda como cautelares, em que Assembleias estão sendo adiadas pelos juízes e está se estendendo a proteção do stay period.

Muitas questões surgirão envolvendo as empresas em situações críticas. Nossos esforços são para compatibilizar uma lei, pensada para uma Economia e situação geopolítica normal, para uma imprevista crise, sobreposta à crise individual.

Dúvidas? Fale com nossos advogados e receba orientações.

[rock-convert-pdf id=”13722″]

Compartilhe nas redes sociais