Joseane Ribeiro da Silva
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
Estamos vivenciando nos dias atuais uma verdadeira avalanche de informações e compartilhamentos provenientes de redes sociais. No entanto, o que parece ser simples, como a manutenção de uma página no Facebook, por exemplo, pode tornar-se uma grande dor de cabeça para as empresa e seus funcionários.
Ao fazermos uso das ferramentas de mídia, sejam estas blogs, páginas pessoais, sites de reclamações, dentre outros, é normal sentirmos a falsa sensação de que estamos lidando com o público da mesma forma que faríamos se aquela conversa tivesse sido originada em uma mesa de bar, por exemplo. Ou seja, com suas informações restritas aos poucos ouvintes daquela ocasião e sem muitas consequências posteriores.
No entanto, este não é o real cenário quando falamos de mídias digitais e sua relação com o contrato de trabalho. Decisões recentes dos Tribunais do Trabalho demonstram que as mesmas vêm sendo usadas constantemente como prova para aplicação de sanções e até mesmo configuração de justa causa, quando configurado seus excessos. Muitos são os casos já registrados de condutas inadequadas que resultaram em demissões de funcionários por justa causa.
Devemos estar cientes de que o direito a liberdade de expressão não ampara os absurdos. O fato de ter uma página pessoal na rede mundial de computadores não autoriza quem quer que seja a ofender a imagem de outrem, mesmo que esse outrem seja pessoa jurídica. Desta forma, o trabalhador que publicar ofensas ao empregador ou a empresa na Internet pode sim ser demitido por justa causa.
Para aplicação de tal punição é usada, por analogia, o artigo 482, alínea K da CLT que nos diz o seguinte:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(…)
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
(…)
Parágrafo único. Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios contra a segurança nacional.
A publicação de uma ofensa ou exposição indevida de dados do empregador nas redes sociais esta amparada pelo artigo 482, K da CLT, ou seja, praticar ato lesivo contra o empregador ou superiores hierárquicos. Desta forma, é cabível a rescisão contratual por justa causa, eis que a continuidade do contrato de trabalho estaria definitivamente prejudicada, tendo em vista o fato de que, as ofensas geradas geralmente diluem o bom relacionamento entre as partes; o que não seria diferente na relação empregado/empregador.
Dentre os principais comportamentos considerados prejudiciais para a relação empregatícia encontram-se os seguintes: “posts” negativos sobre a empresa ou o trabalho, tornar pública questões privadas do empregador e citar o empregador em discussões on-line.
Quando um funcionário coloca o nome da empresa em seu perfil, passa a ser relacionado a ela. O empregado precisa se lembrar que os problemas da empresa devem ser tratados na empresa, é o que pauta o bom comportamento entre as partes. Se a empresa apresenta deficiências ou não está agindo bem com seus empregados, isso pode e deve ser apontado, mas pelos meios internos: conversas com o chefe ou uso de ouvidoria interna nas grandes empresas, por exemplo.
Necessário destacar que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, as postagens em redes sociais também são consideradas como prova lícita nos processos.
O artigo 332 do Código de Processo Civil estabelece que mesmo as provas não especificadas na lei podem servir de prova, desde que obedeçam os critérios legais e morais:
Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Sendo assim, o uso de postagens com caráter publico, exibidos na internet, torna-se amplamente legal como meio de prova, sendo aplicado para resolução desta questão o princípio da atipicidade da prova amplamente disseminado no artigo 332 do Código de Processo Civil.
Nem se fale em direito à privacidade ou a liberdade de expressão, pois a manutenção de perfil público nas redes sociais pressupõe, implicitamente, que tudo quanto for postado ali será considerado como público. Outrossim, os direitos acima não são absolutos e possuem limitações, necessárias para a existência benéfica de qualquer relação.
Para corroborar com tudo quanto foi dito acima, é válido citar o brilhante aresto da lavra do I. Desembargador Lorival Ferreira dos Santos, do TRT 15ª Região:
JUSTA CAUSA. USO INDEVIDO DA INTERNET. CONFIGURAÇÃO. Hoje em dia, o acesso à internet é uma realidade disponível para a grande maioria das pessoas que, através dela, têm a possibilidade de se conectar com o mundo, tanto no âmbito familiar quanto no profissional. Na esfera trabalhista, a internet vem sendo largamente utilizada, podendo representar um genuíno instrumento de trabalho, mas o seu uso indevido por parte dos empregados tem ocasionado discussões, principalmente porque não há ainda uma legislação específica regulando a matéria. Como medida patronal preventiva, o que se tem observado hoje é a fiscalização, a restrição ou até mesmo o bloqueio total de acesso à internet para fins particulares durante o período de trabalho, o que é perfeitamente cabível dentro do poder diretivo e regulamentar do empregador. Porém, a monitoração do uso da internet no ambiente organizacional tem se tornado cada vez mais difícil, pois a tecnologia da telefonia móvel, por exemplo, acaba rompendo a barreira eventualmente imposta pelo empregador. Nos casos em que restar provado que a empresa proibia a navegação na internet durante o horário de trabalho e o empregado desafiava os limites impostos para acessá-la habitualmente por meio de seu celular pessoal, é inegável a ocorrência de justa causa para a dispensa, ficando evidente a prática de desídia e mau procedimento. Se além disso ficar demonstrado que, através da internet, o trabalhador ofendia colegas de trabalho, clientes da empresa ou a própria organização, é possível ainda enquadrá-lo nas situações previstas pelas alíneas “j” e “k” do art. 482 da CLT. É que todo empregado deve saber que está inserido no contexto da empresa, de modo que seu comportamento inadequado pode causar sérios danos ao estabelecimento, e o que é postado através da conexão universal da internet pode afetar a segurança, a produtividade e até mesmo a reputação de uma organização consolidada. Portanto, o trabalhador tem que se portar nas redes sociais com o mesmo zelo sob o qual se mantém no ambiente de trabalho, pois no mundo virtual o meio é diverso, mas as ações e consequências são as mesmas do mundo real. A má ação do empregado no âmbito virtual equivale àquela adotada no mundo tangível, afinal, seu perfil, seja ele real ou eletrônico, é único. Recurso a que se nega provimento no aspecto. (TRT 15ª R. Proc. 0001843-84.2012.5.15.0018 ROPS. 5ª C. 3ª T. Rel. Des. Lorival Ferreira dos Santos. DEJT 14/06/2013, grifo nosso)
Desta forma, com o advento das novas mídias digitais, mais especificamente nas relações de trabalho, os empregados devem agir com ética e disciplina não somente no âmbito laboral, devendo-se zelar pela boa relação com o empregador como um todo, expandindo tal comportamento além dos limites físicos da empresa.
Diante de tudo quanto foi exposto, vimos que é totalmente punível os excessos inerentes ao direito de manifestação, quando ferem a honra do empregador. A Constituição Federal assegura o direito à livre manifestação do pensamento como garantia fundamental. No entanto, a mesma norma constitucional também resguarda o direito à indenização por dano à imagem de outrem. É essencial o respeito aos limites. Somente desta forma é possível a construção de uma relação saudável e duradoura entre empregado e empregador.