DO CONTROLE ADUANEIRO DA IN 1.169/11 E DA POSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA LIBERAÇÃO DOS BENS

Fábio Bernardo
Advogado do escritório Marcos Martins Advogados Associados

No âmbito do controle aduaneiro por parte da Receita Federal tem sido comum a retenção de certas mercadorias importadas com base em meras presunções de irregularidades, ficando condicionada a sua liberação ao término do procedimento de fiscalização, que pode durar até mais do que 180 (cento e oitenta dias).

Não é preciso dizer que tal atitude do Fisco tem causado enormes prejuízos aos importadores, que ficam impedidos de comercializar suas mercadorias e desenvolver regularmente sua atividade empresarial, sem contar aqueles que trabalham com bens perecíveis.

Uma alternativa para a redução dos prejuízos é oferecer garantia para liberação dos bens retidos, o que, no entanto, não em sido aceito por parte da Receita Federal.

Neste contexto, o objetivo desse artigo é demonstrar que à luz da legislação que trata do procedimento especial de controle aduaneiro é perfeitamente possível a apresentação de garantia para liberação imediata das mercadorias retidas pelo fisco.

Com efeito, o procedimento especial de controle aduaneiro, está previsto no artigo 68 da Medida Provisória nº 2.158-32, de 24 de Agosto de 2001, in verbis:

Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da Receita Federal, até que seja concluído o correspondente procedimento de fiscalização.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicar-se-á na forma a ser disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, que disporá sobre o prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da conclusão do procedimento de fiscalização, mediante a adoção das necessárias medidas de cautela fiscal. (grifo nosso)

Idêntica é a redação do artigo 794 do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759, de 5 de Fevereiro de 2009.

Da legislação até aqui trazida, verifica-se que havendo indícios de infração punível com pena de perdimento, deve a mercadoria ser retida pela Receita Federal do Brasil, até a conclusão do procedimento de fiscalização especial.

Não obstante, por expressa previsão das normas acima transcritas, incube à Receita Federal dispor acerca dos procedimentos a serem adotados pela fiscalização e o respectivo prazo de retenção da mercadoria, bem como, dos casos em que os bens podem ser entregues ao importador antes da conclusão da fiscalização.

Destarte, há uma imposição normativa para a Receita Federal estabelecer os casos em que a mercadoria pode ser liberada antes da conclusão do procedimento fiscalizatório.

Nesse contexto, a Instrução Normativa nº 206 de 25 de Setembro de 2002, que trata do despacho aduaneiro de importação, em seu artigo nº 69, previa a possibilidade de retenção de mercadorias pelo prazo de 90 (noventa dias), prorrogável por igual período, em situações devidamente justificadas, bem como a hipótese de liberação antes do término da fiscalização, mediante a apresentação de garantia.

Da mesma forma, a Instrução Normativa nº 228, de 21 de Outubro de 2002, que trata do procedimento especial de verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas, dispõe em seu artigo 7º a possibilidade de liberação de mercadorias com a prestação de garantia.

Destarte, a Receita Federal sempre possibilitou ao contribuinte que as mercadorias retidas fossem liberadas mediante a apresentação de garantia.

No entanto, com o advento da Instrução Normativa nº 1.169 de 29 de junho de 2011, houve a revogação completa da antiga IN nº 206/02, e a nova norma passou a regular os procedimentos especiais de controle de importação e exportação de mercadorias de modo mais amplo do que a IN nº 228/02, ainda vigente.

Ocorre que a nova IN não trouxe nenhuma previsão acerca da liberação das mercadorias antes da conclusão da fiscalização. Com efeito, o artigo 5ª da norma em questão prevê a retenção da mercadoria, sem nenhuma ressalva.

Não bastasse isto, a IN 1.169/2011, embora tenha mantido os 90 (noventa dias), prorrogáveis por igual período, para a conclusão do procedimento, criou situações de suspensão do curso do prazo, que podem levar a fiscalização a durar muito mais do que 180 dias, conforme se verifica do artigo 9º da norma.

Ora, é inadmissível que as mercadorias importadas pelo contribuinte fiquem retidas sumariamente por prazo superior a 180 (cento e oitenta) dias sem qualquer possibilidade de liberação.

Trata-se de um verdadeiro atentado contra o livre comércio, tendo em vista a natural necessidade do contribuinte de negociar os bens para atingir às finalidades da empresa, sem contar os casos em que as mercadorias são perecíveis.

Ademais, todo o procedimento de retenção é baseado em meros indícios, suspeitas, presunções, o que denota a total desproporcionalidade do ato.

E isto se verifica em toda a Instrução Normativa, a exemplo do artigo 1º que fala de “mercadorias sobre a qual recaia suspeita de irregularidade…” (grifo nosso), do Capítulo I que fala em “indícios de irregularidade” (grifo nosso), do artigo 2º que trata de “casos de suspeita quanto à…” (grifo nosso), do §1º do artigo 2º que dispõe sobre “as dúvidas da fiscalização aduaneira quanto ao preço” (grifo nosso), dentre outras figuras trazidas em toda a norma.

Assim, nada justifica a retenção sumária das mercadorias sem a possibilidade de sua liberação mediante apresentação de garantia, e, diante do silêncio da IN 1.169/11, deve prevalecer a disposição da IN 228/02 que trata do oferecimento da garantia.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INOMINADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RETENÇÃO DE IMPORTAÇÃO. FISCALIZAÇÃO. LIMINAR. ARTIGO 7º, § 2º, DA LEI 12.016/2009. CAUÇÃO. ARTIGO 68, PARÁGRAFO ÚNICO, MP 2.158-35. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
[…]
6. Todavia, o parágrafo único do artigo 68 da MP 2.158-35/2001 deixa claro que cabe à RFB dispor sobre “o prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da conclusão do procedimento de fiscalização, mediante a adoção das necessárias medidas de cautela fiscal”; a indicar que o legislador previu, sim, o direito à liberação mediante caução, cabendo apenas à autoridade fiscal tratar das situações, o que, não tendo sido feita pela IN RFB 1.169/2001, faz prevalecer, na omissão do texto superveniente, a disposição contida na IN SRF 228/2002; valendo lembrar que tal disposição normativa foi declarada válida à luz da legislação de regência pela jurisprudência […]

(TRF-3 – AI: 0008444-80.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, Julgamento: 16/08/2012) (grifo nosso)

Conclui-se, portanto, que a negativa de liberação das mercadorias retidas mediante apresentação de garantia no procedimento de fiscalização da IN 1.169/11 é ilegal diante:

I) da imperatividade do artigo 68, da MP 2.158-35/01, e do Regulamento Aduaneiro, que determinam que a Receita Federal regule as hipóteses de liberação de mercadorias retidas antes do término da fiscalização especial;

II) da previsão na revogada IN 206/02 e na ainda vigente IN 228/02 da possibilidade de prestação de garantia para liberação de mercadorias retidas;

III) do desmedido prazo superior a 180 (cento e oitenta dias) que pode durar a fiscalização;

IV) da total arbitrariedade com que a Receita Federal retém mercadorias com base em meros indícios, suspeitas e presunções;

Desta forma, o contribuinte prejudicado com a negativa por parte do Fisco de liberação das mercadorias tem vastos argumentos para fazer valer o seu direito perante o Poder Judiciário.

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