Deborah Peres de Camargo
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
É surpreendente a presença de contratos no dia a dia das pessoas, dos mais variados tipos, regulados ou não em Lei, aparecendo quando uma pessoa adquire produtos ou toma serviços, até uma empresa quando busca fomento de uma atividade em determinado setor de mercado, o que faz com que os contratos sejam um bem essencial para a Economia, circulando riquezas e estimulando o desenvolvimento de novos empregos.
Assim, todos os indivíduos, em algum momento, já celebraram algum tipo de contrato, seja de forma verbal e execução imediata, ou, em outras situações, de forma escrita e de longo prazo de execução.
Mesmo sem se dar conta, as pessoas celebram contratos principalmente em relações de consumo, via de regra contratos de adesão, nos quais não se discute o teor de suas cláusulas padronizadas, mas apenas se concordam ou não com o quanto ali disposto, aderindo ao que previamente foi estabelecido pelo fornecedor do produto ou do serviço.
De qualquer forma, a despeito desta pujança de contratos no dia a dia, para ser considerado como válido e plenamente eficaz, o contrato deve ser constituído de livre e espontânea vontade, mediante a harmonização dos interesses geralmente contrapostos das partes contratantes, sendo que são estas que definem com quem irão contratar, bem como estabelecem e regulam os seus direitos e deveres recíprocos, submetendo-se cada uma ao cumprimento integral do contrato.
Por isso, exatamente em razão de ter sido por escolha própria de cada uma das partes, tanto no que diz respeito ao contrato no qual ambas as partes podem deliberar sobre seus termos, quanto em relação ao contrato de adesão (já que compete à parte interessada sua respectiva aceitação ou não), o contrato possui força de lei entre elas formando um vínculo obrigatório que as compele ao seu adimplemento.
No entanto, ainda que o contrato seja formado entre duas pessoas esclarecidas da sua vontade de contratar, é fato que o mesmo pode gerar efeitos na esfera de terceiros que não anuíram ou não tinham qualquer possibilidade de prever que alguém estabelecera uma relação jurídica com efeitos invasivos, posto que também interfere em interesses coletivos e sofre influência direta da realidade social na qual está inserido, sendo, assim, necessário que se observe a boa-fé e a função social como requisitos adicionais à manifestação de vontade das partes contratantes.
Desse modo, tanto a liberdade de contratar e de estabelecer o conteúdo e disciplina jurídica do contrato, quanto a força obrigatória de seu cumprimento, dentre outras limitações, deve-se observar, necessariamente, o contexto social no qual foi constituído e os impactos que o contrato poderá ocasionar nos interesses de terceiros que ultrapassam os das partes contratantes, sendo necessário que as partes portem-se com a confiança, respeito, divulgando plena e reciprocamente toda informação acerca do negócio, cooperando, e agindo com probidade e razoabilidade das partes.
Com efeito, quando deixam de ser observadas a função social do contrato e a boa-fé objetiva, o contrato pode ser judicialmente revisado e, até mesmo, extinto, como ultima ratio, em prol de sua conservação. É possível a revisão judicial do contrato por fato superveniente e imprevisível acrescido de onerosidade excessiva do devedor.
Na prática, uma das situações em que se verifica evento superveniente que acaba por ocasionar uma onerosidade excessiva ao devedor, é no caso de contrato garantido por alienação fiduciária que foi pago em sua grande parte pelo devedor, remanescendo parcela mínima pendente de pagamento, e cujo bem dado em garantia supera o saldo devedor. Ora, é evidente que o devedor dispendeu esforços para o cumprimento do contrato e, efetivamente, sua intenção era de adimplir integralmente suas obrigações assumidas junto ao credor.
Contudo, por motivos supervenientes, ou até mesmo por abusividades eventualmente cometidas pelo credor, as quais modificaram a relação contratual originalmente estabelecida entre as partes, não foi possível, por parte do devedor, o pagamento das prestações restantes, ameaçando a retomada do bem pelo credor, o que também acaba por gerar uma onerosidade excessiva, já que o bem alienado fiduciariamente supera, e muito, o saldo do débito, pois correspondia, anteriormente, a dívida total.
Diante dessas circunstâncias, é aplicável a Teoria do Adimplemento Substancial, na qual se reconhece que, em atenção à função social do contrato e à boa-fé objetiva que deve permear a relação contratual, quaisquer medidas de reintegração da posse do bem objeto de alienação fiduciária se tornam extremamente desproporcionais e excessivas ao devedor, não mais cabendo a resolução do contrato por parte do credor, mas sim a busca da satisfação do seu crédito por vias menos gravosas, a fim de se reestabelecer o equilíbrio contratual.
Nesse sentido, o Ministro Luiz Felipe Salomão, ao relatar o REsp 1051270-RS, 4ª Turma, julgado em 04/08/2011, demonstrou a aplicação da teoria do adimplemento substancial:
1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual ‘a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos’. 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.(…) Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título.(grifo nosso)
Inclusive, outros julgados seguem a mesma linha do entendimento, tais como, dentre outros: (i) STJ, Recurso Especial nº 2002/0115629-5, julgado em 25/03/2003; (ii) TJ/DF, Agravo de Instrumento nº 20150020149595, julgado em 21/10/2015; (iii) TJ/MG, Apelação nº 10024101258671001, julgado em 16/01/2014; (iv) TJ/SP, Apelação nº 4008253-04.2013.8.26.0405, julgado em 02/02/2016; (v) TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2182739-82.2015.8.260000, julgado em 17/12/2015; (vi) STJ, REsp nº 1051270/RS, julgado em 04/08/2011; (vii) TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2031546-49.2017.8.26.0000, julgado em 15/03/2017; (viii) TJ/SP, Apelação nº 1011587-92.2016.8.26.0405, julgado em 16/03/2017.
A revisão judicial do contrato deverá ser fundada na ocorrência de onerosidade excessiva ao devedor. Assim, restando parcela mínima pendente de pagamento, não cabe ao credor, pretendendo a resolução do contrato, passar a adotar medidas totalmente desproporcionais e abusivas para reaver determinado bem dado em alienação fiduciária, que supera demasiadamente o saldo da dívida.
Porém, nada impede o credor de perseguir a satisfação do crédito remanescente por meios menos gravosos ao devedor, tais como a execução do crédito, desde que seja reestabelecido o equilíbrio contratual entre as partes.
O Escritório Marcos Martins Advogados está sempre atento aos entendimentos e posicionamentos jurisprudenciais em matéria de revisão de contratos, mantendo o compromisso de excelência na prestação de serviços jurídicos aos seus clientes ao fornecer respostas adequadas e perfeitamente ajustadas à corrente interpretação das Leis.The presence of contracts in people’s daily lives, of all kinds, whether regulated by law or not, is surprising. They appear when a person buys products or takes on services, and even when a company seeks to promote an activity in a certain market sector, which makes contracts an essential asset for the economy, circulating wealth and stimulating the development of new jobs.
All individuals have entered into some kind of contract at some point, whether verbally and with immediate execution, or, in other situations, in writing and with a long term execution.
Even without realizing it, people enter into contracts mainly in consumer relations, usually adhesion contracts, in which the content of their standardized clauses is not discussed, but only whether or not they agree with what is set out there, adhering to what was previously established by the supplier of the product or service.
In any case, despite this plethora of contracts on a daily basis, in order to be considered valid and fully effective, the contract must be made freely and spontaneously, through the harmonization of the generally opposing interests of the contracting parties, who define with whom they will be contracting, as well as establishing and regulating their reciprocal rights and duties, each submitting to full compliance with the contract.
For this reason, precisely because it was the choice of each of the parties, both with regard to the contract in which both parties can decide on its terms, and with regard to the adhesion contract (since it is up to the interested party whether or not to accept it), the contract has the force of law between them, forming a binding bond that compels them to comply with it.
However, even if the contract is formed between two people who are clear about their desire to contract, it is a fact that it can generate effects in the sphere of third parties who did not agree or had no possibility of foreseeing that someone had established a legal relationship with invasive effects, since it also interferes with collective interests and is directly influenced by the social reality in which it is inserted, so it is necessary to observe good faith and social function as additional requirements to the manifestation of the will of the contracting parties.
In this way, both the freedom to contract and to establish the content and legal discipline of the contract, as well as the mandatory force of its fulfillment, among other limitations, must necessarily observe the social context in which it was constituted and the impacts that the contract may have on the interests of third parties that go beyond those of the contracting parties, and it is necessary for the parties to behave with trust, respect, fully and reciprocally disclosing all information about the business, cooperating, and acting with probity and reasonableness of the parties.
In fact, when the social function of the contract and objective good faith are no longer observed, the contract can be judicially reviewed and even terminated, as an ultima ratio, for the sake of its preservation. Judicial review of the contract is possible due to a supervening and unforeseeable event plus excessive onerousness on the part of the debtor.
In practice, one of the situations in which there is a supervening event that ends up causing excessive onerousness for the debtor is in the case of a contract guaranteed by a fiduciary alienation that has been paid for in large part by the debtor, with a minimum amount remaining to be paid, and whose asset given as collateral exceeds the outstanding balance. It is clear that the debtor has made every effort to fulfill the contract and, in fact, his intention was to fully meet his obligations to the creditor.
However, for supervening reasons, or even due to abuses possibly committed by the creditor, which have modified the contractual relationship originally established between the parties, it has not been possible for the debtor to pay the remaining installments, threatening the repossession of the asset by the creditor, which also ends up generating excessive onerosity, since the asset sold in trust far exceeds the balance of the debt, since it previously corresponded to the total debt.
In view of these circumstances, the Theory of Substantial Adjudication is applicable, in which it is recognized that, in view of the social function of the contract and the objective good faith that should permeate the contractual relationship, any measures to repossess the asset subject to fiduciary alienation become extremely disproportionate and excessive for the debtor, and it is no longer appropriate for the creditor to terminate the contract, but rather to seek satisfaction of his credit by less burdensome means, in order to re-establish the contractual balance.
In this sense, Justice Luiz Felipe Salomão, reporting on REsp 1051270-RS, 4th Panel, judged on August 4, 2011, demonstrated the application of the theory of substantial performance:
(1) It is through the lens of the general clauses set out in the Civil Code of 2002, especially that of objective good faith and social function, that art. 475 should be read, according to which ‘the party injured by the default may request the termination of the contract, if he does not prefer to demand its fulfillment, and in either case compensation for losses and damages is due’. 2 In this line of understanding, the theory of substantial default aims to prevent the unbalanced use of the right of termination by the creditor, precluding unnecessary undoing in favor of preserving the agreement, with a view to realizing the principles of good faith and the social function of the contract.(…) The creditor can certainly make use of less burdensome and proportionally more appropriate means to pursue the remaining credit, such as, for example, enforcement of the title.
In fact, other judgments follow the same line of understanding, such as, among others: (i) STJ, Special Appeal No. 2002/0115629-5, judged on 03/25/2003; (ii) TJ/DF, Interlocutory Appeal No. 20150020149595, judged on 10/21/2015; (iii) TJ/MG, Appeal No. 10024101258671001, judged on 01/16/2014; (iv) TJ/SP, Appeal No. 4008253-04. 2013.8.26.0405, decided on 02/02/2016; (v) TJ/SP, Interlocutory Appeal No. 2182739-82.2015.8.260000, decided on 17/12/2015; (vi) STJ, REsp No. 1051270/RS, decided on 04/08/2011; (vii) TJ/SP, Interlocutory Appeal No. 2031546-49. 2017.8.26.0000, judged on March 15, 2017; (viii) TJ/SP, Appeal No. 1011587-92.2016.8.26.0405, judged on March 16, 2017.
Judicial review of the contract must be based on the occurrence of excessive onerousness for the debtor. Thus, if a minimum amount remains to be paid, it is not up to the creditor, seeking to terminate the contract, to adopt totally disproportionate and abusive measures in order to recover a certain asset given in fiduciary alienation, which exceeds the balance of the debt by too much.
However, there is nothing to stop the creditor from pursuing satisfaction of the remaining debt by means that are less burdensome to the debtor, such as foreclosure, provided that the contractual balance between the parties is re-established.
Marcos Martins Advogados is always attentive to the understandings and jurisprudential positions on the subject of contract review, maintaining its commitment to excellence in providing legal services to its clients by providing appropriate responses that are perfectly adjusted to the current interpretation of the Laws.