Fábio Bernardo
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados
Após duas décadas de discussão, o Supremo Tribunal Federal ao concluir o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR¹, entendeu que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da COFINS.
Em razão desse julgamento, diversos contribuintes têm conseguido liminares para excluir o imposto estadual da base de cálculo das contribuições federais, reduzindo assim, a sua carga tributária.
Ocorre que no dia 23/10/2018 foi publicada no sítio da Receita Federal do Brasil a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018, que trata da matéria e se aplica aos contribuintes que possuem decisão judicial transitada em julgado autorizando a exclusão.
De acordo com o entendimento da Receita, o montante a ser excluído da base de cálculo das contribuições não é o ICMS destacado nas notas fiscais, mas somente o ICMS a ser recolhido ao final do período de apuração.
Causou espanto a Receita Federal ter editado essa Solução de Consulta, visto que essa questão foi matéria de Embargos Declaratórios por parte da PGFN no julgamento do Supremo, até o momento pendentes de análise.
Se União, por meio da PGFN, demonstra ter dúvidas quanto à interpretação do julgado do STF relativamente ao ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, tanto que opôs Embargos declaratórios, como a Receita Federal, órgão também vinculado à União, poderia ter certeza sobre a matéria e afirmar categoricamente, interpretando o acórdão da Corte constitucional, que o ICMS a ser excluído é aquele que o contribuinte efetivamente deve recolher?
Na prática isso reduz drasticamente ou até anula a possibilidade de economia tributária com a exclusão, visto que o ICMS a ser recolhido, via de regra, não é aquele destacado na nota fiscal.
Em alguns casos, o contribuinte pode efetivamente nem recolher ICMS ao final da apuração, em razão de créditos acumulados em operações de exportação, por exemplo, o que implicaria na impossibilidade de excluir qualquer valor da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Nesse contexto, o que esse breve artigo pretende abordar são as implicações dessa solução de consulta e se há fundamento jurídico para sustentar o entendimento nela exposto.
Inicialmente, deve-se mencionar que o acórdão proferido pelo STF de fato não é claro e expresso quanto ao montante de ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, há trechos em que os Ministros afirmam que “todo o imposto” não deve fazer parte da base de cálculo, e outros em que fala-se em “ICMS pago”.
A Receita Federal, ao analisar o acórdão, obviamente só se ateve aos trechos em que é possível construir uma interpretação no sentido de que o imposto a ser excluído é aquele devido ao final do período de apuração.
Não obstante, não faz sentido do ponto de vista jurídico, afirmar-se que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições federais é o efetivamente devido, após o encontro de contas entre os débitos e créditos do contribuinte.
De acordo com o artigo 13 da Lei Complementar nº 87/96, a base de cálculo do ICMS é o valor total da operação, valor este que corresponde ao faturamento do contribuinte. A norma tributária de incidência recai sobre o valor total da saída.
Por ser um tributo calculado por dentro, nos ingressos de caixa decorrentes das operações de saída do contribuinte, está embutido o valor total do ICMS destacado nas notas ficais.
O ICMS que sempre compôs a base de cálculo do PIS e da COFINS, portanto, é o destacado na nota fiscal, calculado por dentro e repassado ao consumidor final. Se o ICMS que integra a base de cálculo das contribuições federais é o destacado na nota, é esse ICMS que deve ser excluído.
O ICMS efetivamente devido na sistemática da não cumulativa não tem nenhuma relação com a base de cálculo do PIS e da COFINS, de modo que ao afirmar que o ICMS não compõe a base de cálculo destas contribuições, o Supremo Tribunal Federal, evidentemente, estava se referindo ao ICMS destacado, até porque não se pode excluir algo que não está incluído.
Quisesse a Suprema Corte limitar o alcance de sua decisão, ela o teria feito expressamente, e o acórdão deixa claro que o Tribunal considerou em suas ponderações a sistemática não cumulativa de apuração do ICMS.
O entendimento externado na Solução de Consulta da Receita Federal causa uma completa distorção no sistema tributário.
Imagine-se a situação de um contribuinte que tenha diversos créditos de ICMS glosados pela fiscalização estadual num determinado período de apuração. Essa glosa de créditos faz com que o ICMS devido na saída seja maior do que aquele inicialmente apurado.
Nessa situação, como ficaria a exclusão do imposto da base de cálculo do PIS e da COFINS? Automaticamente deveria ser excluída a parcela dos créditos glosada da base de cálculo das contribuições federais? E se a exigência fiscal estadual vier a ser anulada em sede de julgamento administrativo ou judicial? Como ficariam os prazos prescricionais e decadenciais?
É evidente que a apuração das contribuições federais não pode levar em consideração a sistemática da não cumulatividade do ICMS, mas sim o imposto que efetivamente foi destacado e cobrado do próximo da cadeia.
Há inclusive um julgado posterior ao leading case em que o Ministro Gilmar Mendes, que por sinal votou contrariamente à tese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, afirma expressamente que o STF teria firmado o entendimento de que o imposto destacado nas notas fiscais é que deve ser excluído da base de cálculo das contribuições devidas à União.
Trata-se do Recurso Extraordinário 954.262² julgado em 22/08/2018, que tratava de caso envolvendo a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB, cujo trecho mais importante transcrevemos a seguir:
O recurso merece provimento. Inicialmente, verifico que matéria semelhante foi decidida no RE-RG 574.706, (tema 69), Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 2.10.2017. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal afirmou que o montante de ICMS destacados nas notas fiscais não constituem receita ou faturamento, razão pela qual não podem fazer parte da base de cálculo do PIS e da COFINS. (grifamos)
O que se verifica com a Solução de Consulta em análise, é uma tentativa esdrúxula do Fisco de dar o calote nos contribuintes após ter perdido uma discussão bilionária no Supremo Tribunal Federal.
Levando em conta que a maioria das decisões judiciais não afirma expressamente se o ICMS a ser excluído é aquele destacado nas notas ou o devido ao final da apuração, há um enorme risco de autuação aos contribuintes que vêm excluindo todo o imposto destacado.
Nesse contexto, espera-se que a Suprema Corte julgue com rapidez os Embargos Declaratórios da União, para que se coloque um ponto final nessa questão, evitando outros longos anos de discussão administrativa e judicial.
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¹ BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, Relª Min. Carmem Lúcia, DJe-223, Brasília, 29.09.2017. Disponível em: . Acesso em: 08 dez de 2018.
² BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 954.262/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE nº 173, divulgado em 22/08/2018. Disponível em: . Acesso em: 08 dez de 2018.