Marco Legal das Startups: A Regulamentação do Empreendedorismo Inovador

Giulia Keese Montanhesi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

O termo inglês “Startup” tem origem na segunda metade do século XX, e é derivado da palavra start (que significa começar ou o ato de começar algo). A sua primeira utilização com alcance global de que se têm notícia remete a um artigo da revista norte-americana Forbes, na década de 1970.

Porém, no sentido que conhecemos, o termo se popularizou na década de 1990, com o surgimento da Internet e empreendedorismo no polo tecnológico estadunidense “Silicon Valley” (Vale do Silício), região da Califórnia que abriga diversas empresas do setor, como a Google, Facebook e Apple. A partir daí, seu conceito ficou atrelado ao empreendimento com potencial inovador, capaz de inserir novas ideias e tecnologias ao mercado, geralmente ligadas à Internet e a tecnologia da informação.

O Mercado das Startups no Brasil começou a se desenvolver por voltar dos anos 2000 e cresceu de forma desenfreada, demandando dos legisladores um ambiente propício ao seu desenvolvimento e condições fiscais diferenciadas, assim como uma regulamentação dos investimentos no setor.

Em 2018, a “99”, aplicativo de transportes e táxi, foi a primeira startup brasileira a ultrapassar a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado. No ano de 2019, outras empresas como Nubank, Stone, Pagseguro, ifood, loggi e Quinto Andar também ultrapassaram esta barreira bilionária. Segundo a Associação Brasileira de Startups, foi constatado que em 2020 existem aproximadamente 13.182 startups no país. É mais que evidente e urgente a necessidade de se discutir a regulamentação desta modalidade de empresário.

Em 20 de outubro de 2020, o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 249 de 2020, que “institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador” foi apresentado para apreciação da Câmara dos Deputados, com o objetivo principal de fomentar o ambiente de negócios no Brasil.

O Projeto altera a Lei nº 6.404/1976 e a Lei Complementar nº 123/2006, e busca estabelecer princípios e diretrizes para a atuação da administração pública, bem como apresentar medidas de fomento ao ambiente de negócios, ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador, assim como disciplinar a licitação e a contratação de soluções inovadoras pela administração pública.

O PLC nº 249 abrange, de forma geral:

  • O enquadramento de empresas na definição de startups;
  • Diretrizes de investimento em inovação;
  • Fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação;
  • Programas de ambiente regulatório experimental; e
  • Contratação de soluções inovadoras pelo estado.

Em primeiro momento, o Projeto considera “Startup” as “organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”[1].

Importante ressaltar que o conceito de inovação é completo e pode ser definido de diversas formas, isto é, pode ser a transformação de determinado produto, processo ou de modelo de negócio, em diferentes graus.

A Inovação pode ser tanto incremental (ou inovação de melhoramentos, que acarreta alteração mínima ou pouco significante) quanto radical (máxima ou que quebra paradigmas). Recentes exemplos de inovação radical são a Uber e o Airbnb, que transformaram a forma de oferecer os serviços de Transporte e de hospedagem, com um novo modelo de negócio. Outras empresas como iFood, Yellow e Nubank, todas Startups também são exemplos bem sucedidos de inovação radical.

De acordo com o artigo 3º, são elegíveis aos benefícios deste Projeto as empresas individuais de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias e as sociedades simples, desde que atendam aos requisitos abaixo, cumulativamente:

  • Ter faturamento bruto anual de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior ou de R$ 1,3 milhão multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a um ano;
  • Ter até seis anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); e
  • Declarar, em seu ato constitutivo ou alterador, a utilização de modelos de negócios inovadores ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

A PLC ainda prevê diversas modalidades de investimento, para incentivar as atividades de inovação e investimentos produtivos nesta espécie de negócio. As Startups poderão admitir aporte de capital por meio dos seguintes instrumentos:

  • Contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa;
  • Contrato de opção de venda de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa;
  • Debênture conversível emitida pela empresa;
  • Contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa;
  • Estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; e
  • Outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre o capital social da empresa.

Além disso, possui um Capítulo destinado à contratação de Startups pela Administração Pública, com a finalidade de resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia e promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.

A redação atual estabelece as normas para o processo de licitação e contrato público com essas empresas, que passa a ser denominado “Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI”, com vigência de até doze meses, prorrogável por igual período.

A tramitação do Projeto está sendo feita de forma prioritária e em apenso ao primeiro projeto apresentado às Casas Legislativas para regulamentar o setor, o Projeto de Lei Complementar nº.146/2019. Importa ressaltar que este projeto possui diversos pontos divergentes da atual redação do PLC 249/2020, uma vez que alguns tópicos definidos no documento inicial acabaram sendo retirados da versão final do projeto, por exemplo, a possibilidade de sociedades anônimas usarem o regime tributário Simples Nacional, compensação dos tributos de ganho de capital para investidores anjo.

Caso o PLC 249/2020 seja aprovado pela Câmara dos Deputados, passará para aprovação do Senado Federal, que poderá inclusive alterar a redação original. A partir desta deliberação, o projeto será encaminhado para a sanção presidencial e, ao que tudo indica, teremos o setor regulamentado no ano de 2021.

A redação atual do Projeto de Lei deixa muitas perguntas sem responder e algumas lacunas no âmbito trabalhista e tributário, mas sem dúvida alguma, é um grande passo para a regulamentação do setor e para o relacionamento e contratações entre startups e a administração pública.


[1] Vide artigo 3º do Projeto de Lei Complementar nº 249 de 2020.

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