Medidas de colaboração excepcional entre concorrentes

Gabriela de Ávila Machado
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados

O tempo em que estamos vivendo está exigindo cada vez mais das empresas e dos consumidores. O mundo está passando por tal dificuldade, que medidas excepcionais são necessárias.

Neste sentido, no dia 28 de maio de 2020, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão brasileiro de defesa da concorrência, autorizou a colaboração entre empresas concorrentes. A decisão[1], publicada em 04 de junho de 2020, permitiu que Ambev, BRF, Coca-Cola, Mondelez, Nestlé e Pepsico, com o objetivo de minimizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), colaborassem em conjunto para empreendimento denominado “Movimento Nós”.

Segundo as empresas envolvidas, o projeto visa a recuperação da atividade de pequenos varejistas trazendo “maior capacidade de produzir resultados efetivos e na escala necessária de modo a auxiliar os estabelecimentos comerciais a retomarem suas atividades”[2]. O acordo deve vigorar até 31 de outubro de 2020 e poderá ser prorrogado caso haja evolução do cenário da pandemia.

O CADE justificou a decisão com base na justificativa econômica plausível e a adoção, pelas partes, de protocolos de prevenção de riscos antitruste. Ademais, a decisão vem também fundamentada em recomendações internacionais e na excepcionalidade da situação enfrentada, sendo que segundo o texto da decisão, as atividades desenvolvidas também não envolvem a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as partes.

Em tempos “normais”, essa colaboração jamais poderia ser aprovada já que, segundo Alexandre Barreto (presidente do CADE), o compartilhamento entre concorrentes nesses moldes poderia, eventualmente, implicar riscos à ordem econômica. Destacou o presidente: “(…) a excepcionalidade dessa medida não constitui imunidade antitruste. Não se está conferindo com a presente decisão imunidade às peticionárias, de modo que não há impedimentos a que este Conselho, na hipótese de se observar eventuais irregularidades nos termos apresentados ou práticas potencialmente lesivas à concorrência no âmbito desse acordo, possa tomar as medidas e providências que compreender cabíveis”.

Casos anteriores

Essa não é a primeira vez em que o mundo se depara com situações de permissão da colaboração entre colaboradores.

Após o desastre nuclear de Fukushima, Japão, em 2011, causado por um terremoto, a autoridade japonesa reguladora da concorrência (Japan Fair Trade Commission), publicou um artigo sobre “Exemplos de Atos Anti-competitivos Durante o Desastre do Terremoto e outras Emergencias” [3]

Em 2015, foi emitido um Guia Antitruste que trazia a possibilidade de combinação de determinados recursos para atendimento das comunidades afetadas pelos furacões Katrina e Rita. No mesmo sentido, em 2017, devido aos furacões Harvey e Irma, a autoridade americana DoJ (Department of Justice) publicou o “Guia Antitruste, Furacões Harvey e Irma”[4], esclarecendo a possibilidade de duas ou mais empresas se juntarem para trazer produtos ou serviços necessários aos consumidores afetados pelos desastres.

Recomendações Internacionais

Abaixo listamos algumas decisões recentes em âmbito internacional sobre as medidas autorizativas de colaboração entre concorrentes:

Canadá: colaboração entre grupos para garantir acesso à itens e serviços necessários à vida para todos os Canadenses (Canadian Competition Bureau: “Statement on competitor collaborations during the COVID-19 pandemic”[5]);

Coordenação para limitar compras determinados produtos pelos consumidores, compartilhamento de informações de estoque e falta de produtos, compartilhamento de mão de obra e imóveis, coordenação sobre horários de abertura e encerramento, dentre outros (Governo do Reino Unido, “Public Policy Exclusion Order 2020 No. 369[6]);

Colaboração entre farmacêuticas para o fornecimento cruzado de matéria prima para produção de medicamentos essenciais (Comissão Europeia, carta de conforto denominada “Medicines for Europe” de 8 de abril de 2020[7]);

Contratos de compra conjunta entre prestadores de serviços de saúde para aumento de eficiência e redução de custos (Departamento de Justiça Americano e Federal Trade Comission: “Joint Antitrust Statement Regarding COVID-19”[8]);

Co-operação entre a Associação Australiana de Bancos e os bancos para fornecimento de pacotes suplementares para indivíduos e empresas afetadas pelo COVID-19 (prorrogação de prazos de pagamento, dentre outros) (ACCC: “Banks authorised to co-operate on loan relief and services”[9] );

Anúncio da Comissão Mexicana de Competição Econômica de que não iria processor acordos de colaboração que, nas atuais circunstâncias, forem necessários para manutenção e aumento de fornecimento, satisfazer a demanda, evitar faltas, etc, e que não fossem realizados com objetivo de prejudicar competidores (“Postura de la COFECE en términos de la aplicación de la Ley Federal de Competencia Económica ante la emergencia sanitaria”[10]);

Exceção das normas anticompetitivas por blocos para o setor de transportes por três meses na Noruega, anunciado em março de 2020.

Em 26 de maio de 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) começou a divulgar artigos sobre a cooperação entre competidores nos tempos de pandemia, sendo que o primeiro, foi o parecer denominado “Cooperação entre competidores em tempos de COVID-19”[11]. Segundo o órgão a colaboração entre colaboradores pode beneficiar a economia e os consumidores e pode se mostrar juridicamente possível, mas demanda uma análise profunda do caso e dos desafios envolvidos.

Nesta opinião, explica-se que os a colaboração pode beneficiar consumidores em diversas formas, tais como assegurando o acesso à serviços essenciais ou a distribuição de bens essenciais (alimentos, água, produtos de higiene, dentre outros). No entanto, salienta-se que as decisões sobre tais colaborações devem considerar:

  1. O benefício de fato trazido para os consumidores e para a sociedade, como um todo;
  2. As medidas tomadas para evitar a distorção da competição no longo prazo;
  3. A duração da colaboração, que deve ter prazo determinado;
  4. Medidas evitar a divulgação de segredos comerciais (tais como cláusulas de confidencialidades).

A Opinião ainda traz algumas boas práticas que devem ser seguidas pelas autoridades competentes, tais como, análise sumária e prioritária dos casos de colaboração durante a pandemia, permanecer vigilantes, monitorando os aumentos de preços.

Cenário brasileiro

O CADE instituiu, por meio da Portaria Cade 248/2020, um Grupo de Trabalho para elaborar documento com orientações sobre colaboração entre concorrentes, na linha do quanto discorrido acima, e, no dia 06 de julho, o CADE publicou a “Nota Informativa Temporária Sobre Colaboração Entre Empresas para Enfrentamento da Crise de Covid-19”[12]. A Nota traz as diretrizes gerais para a colaboração entre agentes econômicos e os procedimentos a serem seguidos nestes casos.

A Nota explica que o CADE levará em conta o escopo da colaboração, a duração temporal (que deverá ser limitada ao período necessário), o território, governança, transparência e boa-fé, programas de compliance, o cuidado com informações confidenciais, dentre outros.

Por fim, a Nota faz referência a Lei nº 14.010/2020, que, em seu artigo 14 suspende a eficácia do inciso IV, do art. 90, da Lei 12.529/2011, para atos praticados e com vigência entre 20 de março e 30 de outubro de 2020 (ou enquanto durar o Estado de Calamidade Pública). Dessa forma, caso duas ou mais empresas venham a celebrar um contrato associativo, consórcio ou joint venture, não haverá obrigatoriedade de notificação perante o CADE. No entanto, a análise de referido ato poderá ser feita posteriormente, para apuração de infração à ordem econômica dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação dos efeitos da pandemia.

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[1] CADE. Despacho Presidência Confidencial nº 99/2020. Disponível em https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yMNI4DqLKThtJqDd-C6ltFgy5_4XbZDL67FA3TgZQ4nUHFDudanfQ2iCHfVSebm2JueE56EOwGAswJlHRdF2ABb.

[2] CADE autoriza colaboração entre Ambev, BRF, Coca-Cola, Mondelez, Nestlé e Pepsico devidoà crise do novo coronavírus. CADE, 2020. Disponível em http://www.cade.gov.br/noticias/cade-autoriza-colaboracao-entre-ambev-brf-coca-cola-mondelez-nestle-e-pepsico-devido-a-crise-do-novo-coronavirus. Acesso em 02 jul./2020.

[3] “Examples of Antimonopoly Act Applications during the Earthquake Disaster and other Emergencies” (March 2012, https://www.jftc.go.jp/soudan/shinsaikanren/index_files/souteijirei.pdf)

[4] Antitrust Guidance – Hurricanes Harvey and Irma. Disponível em https://www.justice.gov/atr/page/file/996516/download.

[5] Competition Bureau statement on competitor collaborations during the COVID-19 pandemic. Disponível em https://www.canada.ca/en/competition-bureau/news/2020/04/competition-bureau-statement-on-competitor-collaborations-during-the-covid-19-pandemic.html.

[6] The Competition Act 1998 (Groceries) (Coronavirus) (Public Policy Exclusion) Order 2020. Disponível em http://www.legislation.gov.uk/uksi/2020/369/contents/made.

[7] Coordination in the pharmaceutical industry to increase

production and to improve supply of urgently needed critical hospital medicines to treat COVID-19 patients. Disponível em https://ec.europa.eu/competition/antitrust/medicines_for_europe_comfort_letter.pdf.

[8] Joint FTC-DOJ Antitrust Statement Regarding COVID-19. Disponível em https://www.ftc.gov/public-statements/2020/03/joint-ftc-doj-antitrust-statement-regarding-covid-19

[9] https://www.accc.gov.au/media-release/banks-authorised-to-co-operate-on-loan-relief-andservices

[10] Postura de la COFECE en términos de la aplicación de la Ley Federal de Competencia Económica ante la emergencia sanitária. Disponível em https://www.cofece.mx/postura-cofece-ante-emergencia-sanitaria/.

[11] Co-operation between competitors in the time of COVID-19. Disponível em https://www.oecd.org/competition/Co-operation-between-competitors-in-the-time-of-COVID-19.pdf. Acesso em 03 jul. 2020.

[12] NOTA informativa temporária sobre colaboração entre empresas para enfrentamento da crise de Covid-19. CADE, jul. 2020. Disponível em http://www.cade.gov.br/noticias/nota-informativa-temporaria-sobre-colaboracao-entre-empresas-para-enfrentamento-da-crise-de-covid-19.pdf.

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