NEGÓCIOS PROCESSUAIS DURANTE A EXECUÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – QUESTÕES E NOVOS PARADIGMAS

Jayme Petra de Mello Neto
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados

Adentramos agora no terceiro ano de vigência do Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, cuja vigência se iniciou em março de 2016, ainda nos adaptando ao universo de possibilidades e transformações que esse Código nos introduziu.

Não é somente uma lei com objeto específico. Não cuida de regular apenas e tão somente o processo judicial, no âmbito da Jurisdição Ordinária do Estado. Inicialmente, é o sustentáculo jurídico e arcabouço de todo e qualquer processo civil, ou seja, tudo que excepciona a Justiça Criminal. Aliás, até mesmo para esta, o Código também irradia princípios de modernidade e constitucionalismo-processual, dada a idade avançada do Código de Processo Penal.

E, sua aplicação na prática forense, em todas as Justiças, mesmo as especializadas, como a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral, a exemplo, especialmente a aplicação dos seus vetores axiológicos, tem transformado a maneira como a solução de conflitos revela-se na atualidade.

A Solução de Conflitos, como corolário da Eficiência, é o foco central do Processo Civil atual. Outrora, sob a égide do Código de 1939 ou do Código de 1973, o foco residia na Lide e na Administração do Processo. Pendia-se para um modelo jurisdicional estritamente controlado e administrado pelo Estado. Uma Justiça monopolizada, uniaxial.

Ocorre que o eixo bipartiu: se o Judiciário ainda é o repositório da Justiça, não menos presente e com maior amplitude e incentivo do que a estrita litigiosidade tradicional do processo judicial, validam-se as formas extrajudiciais de composição e solução de conflito, baseadas, primordialmente, na capacidade das partes de ponderarem seus interesses a partir da eficiência do meio eleito para resolução do conflito. Eficiência, é bom salientar, não significa apenas celeridade. Envolve também uma especialização própria do julgador, por vezes com adoção de maneirismos típicos de determinados setores econômicos onde nascem os conflitos, que costumam não estar presentes nos juízes togados, mas que são altamente desejáveis às partes dada a sua atividade, característica econômica, natureza do negócio, cultura regional e tantos outros fatores que a frieza da lei e o processo judicial tradicional não conseguem alcançar.

Diversas são as novas formas de solução de conflitos que começam a desafiar o jurista tradicional, acostumado a pensar dentro do modelo tradicional de processo. Já se assentou a Arbitragem, e continuam a desafiar a Mediação, a Arbitragem de Escopo Estrito (fast track), a Resolução de Disputa em Tempo Real (Online Dispute Resolution), a Resolução Especializada de Disputas (Dispute and Adjudication Board – Clearing Houses) e tantos outros modelos que diuturnamente surgem.

Tamanha é relevância do novo eixo de solução de conflitos, que o próprio Código fez refletir no eixo tradicional a importância e técnica do eixo derivado. Desta forma, prestigiou, no curso do processo judicial tradicional, a realização de negócios jurídicos processuais, cravando o icônico artigo 190. A Lei entende que ninguém melhor que as próprias partes podem regular e executar seus direitos, desde que não influam na órbita de direitos e interesses de terceiros, como regra.

É assim que a estrutura generalizada e principiológica proposta pelo atual Código de Processo Civil, com o destaque do negócio jurídico processual, inspira e derroga outras leis de rito, dando a elas maior eficiência na solução dos conflitos nela tratados.

Foco, para este momento, a influência do Negócio Jurídico Processual, como categoria genérica, na Recuperação Judicial. Sem adentrar em discussões teóricas e com apenas de apontar um caminho de exposição, a premissa da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências) é a capacidade das partes em negocialmente gerar meios de recuperação, com vistas a preservar, na medida do viável, a geração de riquezas, a relevância social, os empregos e todos os demais interesses legítimos que orbitam uma empresa.

Toda a litigiosidade tradicional de uma cobrança de crédito en default, no processo recuperacional, é relegada a incidentes e processos heterônomos que não atrapalham a marcha da solução negocial. E o zênite do processo recuperacional é, sem dúvida alguma e para a formatação mais clássica, um negócio jurídico, concebido como o acordo de vontades capaz de criar, extinguir e modificar direitos. Quando a Assembleia Geral de Credores manifesta a aprovação do Plano de recuperação Judicial, o que ocorreu, em sentido material, foi a aceitação de uma proposta policitada. Ou seja, a formação de um contrato.

E como um contrato típico de direito empresarial, sua característica primordial é a Incompletude. As situações fáticas, econômicas, financeiras, e demais espécies, faz com que as disposições e intenções das partes precisem ser revistas para adequá-las a um certo momento. A Lei, nem mesmo a Jurisprudência, pode entender o Plano de Recuperação Judicial como um contrato estático, exaurido de normatividade em sua aprovação. Antes, porque o seu objeto material é uma sequência de atos protraídos no tempo e sujeitos a influências externas, há que ser entendido como um contrato incompleto, interpretado por um mecanismo de conjunção da vontade originária das partes quando da celebração com as circunstâncias fáticas no momento da execução da prestação.

Uma das formas de completar a execução das prestações do Plano é se permitir a celebração de negócios jurídicos processuais após a aprovação da Assembleia Geral de Credores e homologação judicial, sem a necessidade de reconvocação da coletividade. Em determinados casos, dada a capacidade e intenção das partes após a homologação do plano, as condições negociais podem ter se alterado. Mas este cenário pode ser verdadeiro para um ou alguns credores. Não para a coletividade.

Nestes casos, a convocação de uma nova Assembleia de Credores é um contrassenso e um desserviço à eficiência com que se completam os contratos de execução prolongada, como é o caso do Plano de Recuperação Judicial. Considerando que as condições especiais de incompletude afetam a um determinado credor ou a alguns credores isoladamente, não há porque demandar a aprovação de toda a coletividade para alterações pontuais.

Defendemos que, por aplicação do arcabouço do Negócio Jurídico Processual, sob regulamento do Código de Processo Civil, as negociações posteriores estabelecidas entre credores específicos e a recuperanda são válidas e carecem de assentimento coletivo.

Mas, para que tais negócios jurídicos processuais sejam válidos sem a anuência da coletividade, entendemos que existem dois limites intransponíveis: a) a legalidade das novas convenções; e, b) a manutenção da par conditio creditorum.

Despiciendo tratar da legalidade, bastando afirmar que nenhuma convenção pode contrariar a lei, aplicando-se o adágio permittitur quod non prohibetur.

Já a Par Conditio Creditorum, como princípio basilar do processo de execução coletiva e aplicável à Recuperação Judicial, estabelece um limite de tratamento que proíbe as partes celebrarem um negócio jurídico processual em detrimento dos demais credores. O negócio jurídico processual em espécie não pode dar condição melhor ao credor celebrante em prejuízo dos demais credores. Se assim o for, será passível de anulação e, antes, de controle do próprio juiz da causa, onde o negócio jurídico processual foi proposto e aceito. Aqui haveria espaço até para outras discussões jurídicas, tais como a competência do juízo homologador do negócio jurídico processual celebrado fora do processo recuperacional, mas que não são objeto deste breve estudo.

Sem precisão estatística, noticiamos que o escritório Marcos Martins Advogados, nas recuperações judiciais a seu cargo, tem celebrado uma série de negócios jurídicos processuais em fase de execução do plano de recuperação judicial. Tais negócios têm sido encarados pelos credores não envolvidos e pelos próprios órgãos jurisdicionais como benéficos, reputando-os válidos sem a necessidade de convocação de nova Assembleia Geral para cada negócio firmado, aperfeiçoando a justiça do crédito ante a incompletude do contrato celebrado no plano de recuperação judicial.

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