Giulia Keese Montanhesi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
As Regras de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional — CCI (ou International Chamber of Commerce – ICC) são utilizadas em mais de 100 países para resolver demandas comerciais internacionais, assim como assuntos envolvendo propriedade intelectual, joint venture, acordos de compra de ações e projetos de construção. As normas são reconhecidas internacionalmente por assegurarem às partes um ambiente neutro para a resolução de litígios transfronteiriços.
As novas regras de arbitragem entraram em vigor a 1º de janeiro de 2021 e definem os procedimentos dos casos submetidos ao Tribunal Internacional de Arbitragem desde o início deste ano. De acordo com a divulgação oficial, em seu site, as novas disposições cumprem trazer mais eficiência, flexibilidade e transparência às arbitragens da CCI.
Importa ressaltar que, até o final de 2020, vigorou o Regulamento de Arbitragem de 2017 (que já se tratava de alteração das normas editadas em 2012), contudo, em outubro de 2020, a CCI promoveu nova alteração, com a inclusão e modificação de uma série de artigos, envolvendo assuntos pertinentes às partes e ao funcionamento do próprio Tribunal.
As modificações mais relevantes são relacionadas a nomeação dos árbitros e constituição do tribunal arbitral, conflito de interesse na representação das partes, comunicação do financiamento por terceiros pela parte subsidiada, fomento de acordos e soluções amigáveis nas disputas, arbitragens de investimentos, possibilidade de inclusão de novas partes no curso de arbitragem e a sentença arbitral adicional em casos de omissão.[1]
Além disso, releva notar a mobilização desta e de outras cortes de arbitragem para adaptar os seus procedimentos aos mais recentes avanços tecnológicos e ferramentas digitais disponíveis, ainda mais necessárias em face do cenário distanciamento social atual, mediante a regulamentação das audiências virtuais e a primazia das comunicações e submissões eletrônicas, através da ampliação da utilização dos sistemas digitais e protocolos de peticionamento cibernético (embasada em políticas de green arbitration[2]).
Vejamos abaixo algumas das mudanças:
- Art. 7 “Joinder of Additional Parties” – a nova regra prevê a adesão de partes adicionais mesmo após a constituição do Tribunal Arbitral, antes vedada, a fim de atender a arbitragens complexas, multipartidárias e multicontratuais, por exemplo, disputas de infraestrutura e construção civil. É o que diz o Parágrafo 5º, “Qualquer pedido de adesão feito após a confirmação ou nomeação de qualquer árbitro será decidido pelo tribunal arbitral […]. Ao decidir sobre tal pedido de apensação, o tribunal arbitral terá em conta todas as circunstâncias relevantes, que podem incluir se o tribunal arbitral tem jurisdição prima facie sobre a parte adicional, o momento do pedido de apensação, possíveis conflitos de interesses e o impacto da apensação no procedimento arbitral”.
- Art. 11, item (7) “Third-Party Funding”– com propósito de aumentar a transparência nos procedimentos, restou determinado que as partes deverão notificar todos os envolvidos no procedimento, quando utilizarem financiamento de terceiros, ao dispor que “cada parte deve informar imediatamente o Secretariado, o tribunal arbitral e as outras partes da existência e identidade de qualquer não-parte que tenha celebrado um acordo para o financiamento de reclamações ou defesas e ao abrigo do qual tenha um interesse econômico no resultado da arbitragem”. Nos últimos anos vem sendo debatido por estudiosos e profissionais da área a obrigatoriedade das partes em revelar o financiamento de terceiros em arbitragens, caso este seja motivado por interesse econômico no resultado da demanda. A norma vem pôr fim a discussão, ao menos neste Tribunal, entendendo que a novidade promove a imparcialidade e independência de árbitros, já que insere estes terceiros no mesmo “nível” das partes, por seu interesse econômico na sentença arbitral.
- Art. 13, item (6) e art. 29, item (6) “Investment Treaty Arbitrations” – a CCI introduziu duas novas condições referindo-se a arbitragem de investimentos. A primeira novidade está no artigo 13, item 6, o qual exige a nomeação de árbitros que não tenham a mesma nacionalidade que a parte na arbitragem quando “a convenção de arbitragem na qual a arbitragem se baseia resulta de um tratado“. O artigo 29º, item 6, por sua vez, estabelece que as disposições de arbitragem de emergência não se aplicam se a convenção de arbitragem em que se baseia o pedido resultar de um tratado. A justifica para esta condição é de que os prazos curtos da arbitragem de emergência seriam impraticáveis para os Estados ou entidades estatais envolvidas em arbitragem de investimentos.
- Art. 17 “Party Representation” – O que nos chama atenção nestas novas regras da representação das partes é que a norma confere poderes ao Tribunal Arbitral para excluir do procedimento ou tomar qualquer outra medida adequada contra representante que demonstrar conflito de interesses, a fim de proteger a integridade do procedimento.
- Art. 26 “Hearings” – As novas disposições do artigo 26º autorizam a realização de audiências na forma física ou remota, ao disciplinar que “1) […] O tribunal arbitral pode decidir, após consulta das partes, e com base nos factos e circunstâncias relevantes do caso, que qualquer audiência será conduzida por assistência física ou remotamente por videoconferência, telefone ou outro meio de comunicação apropriado”[3]. Apesar do consenso quanto à facilidade e comodidade das videoconferências perante a crise sanitária vivenciada, o artigo suscitou dúvidas e opiniões controvertidas sobre os agendamentos das referidas videoconferências quando envolvendo partes com fuso-horários opostos, que pode ocasionar, não intencionalmente, benefício ou prejuízo a estas. O ideal é que as partes entrem em consenso quanto aos agendamentos das audiências, junto aos árbitros, para que todos possam aproveitar da oportunidade em pé de igualdade de condições.
- Anexo IV “Case Management Techniques” – Nesta nova redação das Técnicas buscou-se reafirmar o fomento dos acordos nas disputas e o engajamento com a Mediação, também feita por braço da CCI. A norma busca “encorajar as partes a considerar a resolução total ou parcial da disputa, quer por negociação ou através de qualquer forma de métodos amigáveis de resolução de disputas, tais como, por exemplo, a mediação ao abrigo das Regras de Mediação da ICC”[4].
Além das modificações, foi publicado no dia 12/01/2021, o Modelo de Cláusula de Proteção de Dados para Ordem Processual 1, que destina-se a fornecer aos árbitros orientações na elaboração de uma cláusula de proteção de dados no despacho processual interno, quando o tribunal arbitral considerar que o Regulamento Geral de Proteção de Dados Europeu (“GDPR”) ou outras leis e regulamentos semelhantes de proteção de dados se apliquem à arbitragem.[5]
É evidente a preocupação da CCI no que tange a proteção de dados em suas arbitragens, uma vez que a privacidade e preocupações com os dados pessoais é uma das principais pautas globais, ainda mais com a recente entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil e da Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA), do Estado da California, nos Estado Unidos.
[1] Disponível em: https://iccwbo.org/dispute-resolution-services/arbitration/rules-of-arbitration/#:~:text=They%20define%20and%20regulate%20the,resolution%20of%20cross%2Dborder%20disputes. , acessado em 20.01.2021.
[2] Conceito que prevê sustentabilidade no procedimento arbitral pela dispensa da presunção de peticionamento físico e em papel.
[3] Tradução feita por nós, somente para os fins deste ensaio.
[4] Tradução feita por nós, somente para os fins deste ensaio.
[5] Disponível em: https://iccwbo.org/publication/model-data-protection-clause-for-procedural-order-one/, acessado em 20.01.2021.