Juliano Marini Siqueira
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados
No Brasil o e-commerce obteve um salto de crescimento no percentual de 24% em 2014, em relação ao ano de 2013, faturando R$ 35,8 bilhões. Foram realizados 103,4 milhões de pedidos pela internet, 17% a mais do que em 2013 e, para 2015, a E-Bit prevê um faturamento de aproximadamente R$ 43 milhões.
As informações estão disponíveis no relatório WebShoppers realizado pela E-Bit[1].
Diante do crescimento das inúmeras transações realizadas pela internet, o comércio eletrônico tornou-se um dos principais pivôs de disputa entre os Estados no que diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS).
Isso porque, o ICMS de mercadorias compradas à distância, seja pela internet ou por telefone, até o final de 2015, ficava integralmente com o estado onde estava situada a loja virtual do vendedor. Já o estado de residência do comprador, ou de destino da mercadoria, não tinha qualquer participação sobre o imposto cobrado.
Assim, a maior parte da arrecadação se concentrava entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que abrigam a maioria dos sites de compras, e na outra ponta, o prejuízo se concentrava nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Visando por fim a essa situação, foi promulgada pelo Congresso Nacional, em abril de 2015, a Emenda Constitucional 87/2015[2], fruto de três anos de discussões sobre o tema. A EC criou um cronograma para igualar a repartição do ICMS nas compras virtuais aos demais tipos de consumo, posto que nas compras realizadas em lojas físicas, parte do ICMS interestadual fica com o estado produtor e parte com o estado consumidor.
De acordo com os senadores que participaram do processo de votação, tal medida foi necessária a partir de uma visão realista e atual do cenário de varejo no país, já que o comércio eletrônico trouxe uma nova realidade para o equilíbrio econômico entre os entes federados, a qual deve ser corrigida com a redistribuição do recolhimento do ICMS entre os Estados.
A partilha do tributo em questão ocorrerá, a partir deste ano, de forma escalonada: em 2016 o imposto das operações será dividido na seguinte proporção: 60% para o Estado de origem e 40% para o Estado de destino. Em 2017, alíquota passa para 40% na origem e 60% no destino; em 2018, 20% na origem e 80% no destino; e em 2019, 0% na origem e 100% no destino.
Ocorre que, com essa nova regra de partilha, os contribuintes optantes pelo Simples Nacional teriam um aumento significativo em sua carga tributária, pois pagariam separadamente a parcela do ICMS que diz respeito ao estado de destino. Antes da Emenda Constitucional, o valor referente ao referido tributo já estava embutido no Simples.
A obrigação de enquadrar as empresas do Simples Nacional foi determinada pela cláusula nona do Convênio 13/2015[3], que foi celebrado pelo Confaz em razão da Emenda Constitucional 87/2015.
Entretanto, o regime tributário do Simples Nacional foi criado para diferenciar e, sobretudo, favorecer os empreendedores com menor capacidade econômica e contributiva, uma vez que os tributos devidos são calculados mediante a aplicação de uma única alíquota incidente sobre a receita bruta mensal e, posteriormente, o produto da arrecadação é partilhado entre os entes tributantes. Não há, portanto, a incidência do ICMS em cada operação de venda realizada.
Além disso, o Simples Nacional foi regulamentado pela Lei Complementar 123/2006[4] que determina taxativamente os tributos nos quais o recolhimento será feito mediante documento de arrecadação unificado, dentre eles o ICMS, indicado no artigo 13, inciso VII.
Diante deste raciocínio a cláusula 9ª do Convênio celebrado pelo Confaz é totalmente ilegal por afronta à Lei Complementar 123/2006.
A própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, através do Parecer nº 1226/2015, no dia 03 de setembro de 2015, se manifestou de forma contrária à imposição das novas regras do ICMS às micro e pequenas empresas que aderiram ao Simples. Segundo o parecer o tratamento diferenciado para essas empresas deveria ser respeitado. Abaixo trecho.
Com efeito, ao lado da regência constitucional dos tributos, a Carta Magna consagra o tratamento jurídico diferenciado e favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme artigos 179[5] e 170[6], inciso IX, prevendo, no âmbito tributário, que a lei complementar defina este tratamento, inclusive, regimes especiais ou simplificados no caso do ICMS (Constituição, artigo 146[7], III, “d”), não tendo havido qualquer modificação desta previsão constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 87. (grifo nosso).
A aplicação das novas regras do referido tributo estadual às empresas aderentes ao Simples geraria, indubitavelmente, ameaça à sobrevivência de suas atividades empresariais. Isso porque, pessoas jurídicas desse porte não estão preparadas financeiramente para tamanha mudança, não só pelo aumento da carga tributária, mas também por toda fase de adaptação procedimental.
Neste sentido, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico – Camara.net, encaminhou ofício ao Conselho Deliberativo do SEBRAE, esclarecendo o seguinte:
A esmagadora maioria dessas empresas (micro e pequenas empresas optantes pelo Regime do Simples Nacional) não está preparada para essa mudança e não tem condições financeiras de se adaptar a ela, eis que gigantes do setor já chegaram a “investir” mais de R$ 1.000.000,00 apenas em sistemas e adaptações para atendimento das novas regras. (Ofício 1901/2016 Camara.net. p. 6)
Observando todas essas questões, a Ordem dos Advogados do Brasil, ingressou no dia 29 de janeiro, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5.464[8] no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão da cláusula que obriga as empresas do Simples a seguir o que determina as novas regras da repartição do ICMS. De acordo com a ação, o artigo ignora a lei que estabelece que micro e pequenas empresas têm direito à cobrança de tributação unificada.
A OAB requereu a concessão de medida liminar para suspender a eficácia da mencionada cláusula. O Relator da ação, o Ministro Dias Tóffoli, houve por bem observar as razões suscitadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade e, reconheceu estar presente os requisitos autorizadores para deferir a liminar pleiteada.
Para o Ministro, não suspender a cláusula nona colocaria em risco a manutenção das atividades empresarias das empresas optantes pelo Simples, uma vez que onera os impostos a pagar, traz custos burocráticos e financeiros, encarece os produtos, dificulta o cumprimento de obrigações acessórias, aumenta os “custos de conformidade em um momento econômico de crise” e embaraça a viabilidade de empresas de pequenos negócios que comercializam produtos para outros estados.
Desta forma, desde o último dia 18 de fevereiro, os contribuintes optantes pelo regime tributário do Simples Nacional que realizarem operações e prestações interestaduais que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS ficam desobrigados de recolher a parcela do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.
[1] Webshoppers. Disponível em: < http://www.ebit.com.br/webshoppers>. Acesso em: 29 fev. 2016.
[2] BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 87, de 16 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc87.htm>. Acesso em: 29 fev. 2016.
[3] BRASIL. Conselho Nacional de Política Fazendária. Convênio ICMS 13, de 18 de março de 2015. Disponível em: < https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2015/cv013_15>. Acesso em: 29 fev. 2016.
[4] Lei Complementar 123/2006:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
VII – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS.
[5] Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
[6] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[7] Art. 146. Cabe à lei complementar:
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5.464. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4918380>. Acesso em: 29 fev. 2016.