Camila Vieira Guimarães
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
Inegável que o mercado de seguros já sofre grande impacto com os efeitos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) com sucessivo aumento das sinistralidades. Tal impacto neste mercado gera enorme insegurança jurídica, na medida que não se sabe como as seguradoras tratarão as atuais e posteriores apólices, bem como a oferta dos produtos e serviços, com risco de um cenário a médio e longo prazo de maior litigiosidade, sendo necessárias análises prévias de possíveis discussões.
Embora a jurisprudência seja tímida neste momento em razão do curto tempo transcorrido desde o início dos eventos ligados à pandemia no Brasil, busca-se fazer um prognóstico de temas sensíveis advindos da pandemia que demandarão manifestação do Poder Judiciário.
O mercado de seguros atua de forma prospectiva, assim, os índices de sinistralidade impactarão de forma significativa os contratos existentes, seja pelo aumento do número de sinistros, seja rescisão de contratos em razão da parada de vários setores da economia, bem como pela queda no número de novas contratações, como se verifica com o setor automobilístico. A retração do mercado automobilístico já afeta, diretamente, na queda da contratação de seguros para automóveis, tendo em vista a queda no consumo de veículos pelas pessoas.
A aquisição da cobertura de um contrato de seguro respeita a intangibilidade das cláusulas contratuais, isto é, as partes devem respeitar as disposições do contrato, as coberturas e exclusões previstas no texto, de modo que a interpretação do que está coberto ou excluído é a chave a litigiosidade.
Em geral, os contratos de seguros não preveem cobertura e ressarcimento advindos de pandemias. Embora algumas seguradoras manifestaram publicamente que tal cobertura seria realizada, independente de cláusula contratual em contrário, diante de eventual mercado de seguros colapsado, demandas relacionadas à cobertura já estão chegando no Judiciário e outras tantas poderão surgir, devendo o contratante estar atento a esta questão.
O reflexo na crise provocada pelo Covid-19
Reflexo da crise econômica instaurada pela pandemia, a perda da capacidade financeiras dos locatários residenciais e comerciais afetará diretamente na sinistralidade do seguro fiança locatícia. Alguns contratos desta modalidade excluem condições como a incapacidade de pagamento decorrente de fatos da natureza ou atos do Poder Público. Discute-se os efeitos das medidas de isolamento adotadas pelo Poder Público, bem como a própria crise econômica decorrente e a cobertura que se espera o segurado, questão que possivelmente será levantada para a ótica do Poder Judiciário.
Quanto ao seguro de lucros cessantes, compreendidos como aqueles cobertos em caso de paralisação do negócio ou atividade do contratante, garantindo pagamento de indenização, fatalmente haverá discussão quanto à interpretação da pandemia e suas variáveis no conceito de dano físico e/ou material sofridos pelos segurados para reconhecimento das seguradoras ao prêmio. Na medida que esta modalidade de contratação tem como pressuposto a ocorrência de dano físico que gerou a paralisação da operação empresarial, em primeiro plano, as medidas de isolamento social, por si só, não comporiam o rol de cobertura, demandando a médio e longo prazo o crivo dos Tribunais sobre o tema.
Pelo stress que passa o sistema de saúde, prevê-se aumento da sinistralidade para o segmento de seguro de responsabilidade civil entre estabelecimentos médicos em razão da escala de propagação do Covid-19 e eventuais atos médicos praticados.
Proteção de Dados
Atenção merece, também, o setor de proteção de dados, visto que com a necessidade premente de se remeter os trabalhos quase que em sua totalidade para o meio remoto, o nível de governança não é o mesmo de uma rede controlada, sujeitando a aumento dos ataques virtuais de hackers e, consequentemente, projetando possível aumento de sinistralidade para seguros de proteção de dados.
Importante mencionar, sobre o tema de seguros, que tramita o Projeto de Lei n° 2113, de 2020, de autoria do Senado Federal e encaminhado para votação na Câmara dos Deputados, contendo normas de caráter restritivo, dentre elas, a proibição de que as seguradoras neguem cobertura decorrente de qualquer doença ou lesão, seguro de vida e invalidez permanente, em razão da pandemia do novo coronavírus e fixação de 10 (dez) dias a contar da entrega da documentação para as seguradoras efetuarem pagamento do prêmio em caso de morte por Covid-19.
Por fim, válido destacar sobre as atuais discussões sobre a possibilidade de as empresas valerem-se da substituição dos depósitos judiciais pelo seguro garantia.
O seguro garantia é um produto que as seguradoras oferecem para as empresas garantirem dívidas que tramitam na Justiça na forma de depósito judicial em processos cíveis, trabalhistas e tributários. Neste cenário de crise, em que muitas empresas não têm capital de giro para honrar com pagamentos de salários, fornecedores e mesmo para continuidade da sua atividade, mas possuem volume significativo de depósitos judiciais, algumas empresas têm demandado o Judiciário para substituição destes depósitos judiciais por seguro garantia devidamente regulado pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Alguns Tribunais já manifestaram favoravelmente à respectiva substituição, inclusive o TJSP[1].
Em linhas gerais, expõe-se alguns temas sensíveis de natureza securitária passíveis de demandarem posicionamento do Poder Judiciário, diante da perspectiva da crise que assolará todos os segmentos, inclusive o setor de seguros, esperando-se uma postura colaborativa entre todos os envolvidos.
O escritório Marcos Martins Advogados está sempre atento às discussões de mercado afetas às necessidades de seus clientes, antecipando estratégias e sempre buscando a melhor solução para sua demanda.
[rock-convert-pdf id=”15179″]
[1] TJSP. Agravo de Instrumento nº 2072750-68.2020, Voto nº AI-6.884/20, Relator: Torres de Carvalho, 10ª Câmara de Direito Público, Publicado em 27/05/2020.