Thyago Rodrigo da Cruz
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados
É bem sabido que nenhuma Lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Entretanto, conforme previsão expressa no artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, “cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei”, dispositivo esse que, de certa forma, delimita o plano de atuação do magistrado.
Isso porque, a teor do Enunciado nº 44 da I Jornada de Direito Empresarial do Conselho da Justiça Federal¹, “a homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade”, frise-se: exclusivamente de legalidade, conforme já consolidada jurisprudência pátria.
A análise da viabilidade do plano de recuperação judicial apresentado pela pessoa jurídica que se vale do referido benefício legal, a teor do que preceitua o Enunciado nº 46 da já mencionada Jornada de Direito Comercial², fica exclusivamente a cargo dos credores, sendo certo que “não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores”.
Aliado aos preceitos supramencionados, não se pode olvidar a respeito da soberania das deliberações da Assembleia Geral de Credores, inovação trazida pela Lei nº 11.101/2005, de onde se extrai que, realizada a análise da viabilidade econômico-financeira do plano de recuperação judicial pelos credores, restando ele aprovado, a menos que haja um vício de legalidade em suas cláusulas, deverá o Juízo promover a sua homologação.
Tratando-se de credores e representantes legais absolutamente capazes que, compreendendo pela viabilidade e higidez da proposta de superação da crise econômico-financeira enfrentada pelo devedor empresário, soberanamente decidem dispor de parte de seus direitos creditórios em prol de um bem maior, capaz de beneficiar a toda a coletividade, efetivamente, não há que se falar em qualquer ilegalidade a ser obstada pela atuação do Poder Judiciário.
Nessas circunstâncias, verifica-se que o deságio ajustado, bem como as demais condições de recebimento de créditos, tais como prazo de pagamento, carência, dentre outros, não poderão ser reformados pelo julgador, na medida em que foram os próprios credores que optaram por abrir mão de parte de suas pretensões para possibilitar o recebimento do seu crédito a ter que enfrentar a falência do devedor empresário.
Não se pode olvidar, entretanto, que as condições de recebimento do crédito deverão se pautar pelo critério da razoabilidade, não podendo impor sacrifício que se mostre demasiadamente oneroso aos credores.
A esse respeito, cumpre destacar que a razoabilidade supramencionada deverá ser medida através da aplicação do princípio da proporcionalidade, valendo-nos, para tanto, do conceito trazido pelo magistério de Ada Pellegrini Grinover³, ora constituído pelo trinômio (i) da adequação dos meios empregados para a obtenção de uma determinada finalidade; (ii) da necessidade da medida e; (iii) da proporcionalidade em sentido estrito, analisada a partir do cotejo entre meios e fins pretendidos, evitando-se prejuízos desnecessários aos credores.
No que pertence ao aspecto relativo às condições de deságio da dívida, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo⁴, sob a relatoria do Desembargador Ramon Mateo Júnior, acertadamente compreendeu:
Recuperação Judicial. Concessão. Soberania da decisão da assembleia geral de credores que não é absoluta, competindo ao juiz observar, mais do que apenas a sua legalidade e constitucionalidade, a ética, a boa-fé, o respeito aos credores e a manifestação intenção de cumprir a meta de recuperação. Plano de Recuperação. Deságio de 70%, pagamento em parcelas fixas, ausência de juros remuneratórios, decisão que insere na soberania da assembleia e na sua natureza de novação com a qual assentiram os credores, atualização monetária pelo IGP-M, com termo inicial a partir da data da publicação da homologação do plano e concessão da recuperação judicial. Plano de Recuperação Judicial com presumida adequação e aparente intenção de permitir a recuperação sem deixar de estabelecer forma e prazo para pagamento dos credores […] (TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2043003-83.2014.8.26.000, Des. Rel. Ramon Mateo Júnior, j. 10/04/2015)
Quanto à estipulação da carência e ao prazo de pagamento, ambas as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo⁵ têm exaustivamente decidido:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. CONTROLE DE LEGALIDADE. PAGAMENTO DOS CREDORES QUIROGRAFÁRIOS. Deságio e parcelamento. Proposta deliberada em assembleia e aprovada por ampla maioria dos credores da respectiva classe. Ausência de abusividade e/ou ilegalidade nas cláusulas aprovadas. Efetivação dos princípios da preservação da empresa e de sua função social (art. 47 da Lei nº 11.101/05). Precedente. Recurso não provido, neste ponto. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. Previsão de 2% (dois por cento) ao ano. Ausência de ilegalidade. Credores que, por ampla maioria, aprovaram o plano. Soberania da assembleia geral de credores. Recurso não provido, neste ponto. BENEFÍCIO CONCEDIDO A CREDORES ESTRATÉGICOS E PARCEIROS. Possibilidade. Credores que permanecem como fornecedores das recuperandas. Garantia constitucional da igualdade substancial. Princípios da preservação da empresa e de sua função social. Efetivação. Artigo 47 da Lei nº 11.101/05. Precedente. Recurso não provido, neste ponto. LEILÃO REVERSO. Ilegalidade. Inocorrência. Questão deliberada e aprovada por ampla maioria. Ausência de violação do princípio da igualdade entre os credores. Precedente. Recurso não provido, neste ponto. Recurso não provido. (TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2123441-96.2014.8.26.0000, Des. Rel. Tasso Duarte de Melo, j. 10/04/2015)
Sendo assim, mostra-se mais do que evidente que as condições de pagamento, atinentes ao deságio, prazo, período de carência, dentre outras, desde que não se demonstrem excessivamente onerosas aos credores, a ponto de violar a razoabilidade, mostram-se absolutamente legais, visto que aprovadas por decisão assemblear soberana e hígida, não comportando, portanto, qualquer reforma por parte do Poder Judiciário.
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¹AGUIAR, Ruy Rosado (Coord.). I Jornada de Direito Comercial: Enunciado nº 44. Disponível em <goo.gl/99Qhif>. Acesso em 18.09.2018.
²AGUIAR, Ruy Rosado (Coord.). I Jornada de Direito Comercial: Enunciado nº 46. Disponível em <goo.gl/yyFVNK>. Acesso em 18.09.2018.
³GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: Estudos & Pareceres. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: DPJ, 2009, p. 43.
⁴Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2043003-83.2014.8.26.000, Des. Rel. Ramon Mateo Júnior, julgado em 10.04.2015.
⁵Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2123441-96.2014.8.26.0000, Des. Rel. Tasso Duarte de Melo, julgado em 10.04.2015.