Thyago Rodrigo da Cruz
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados
Como se sabe, a escrituração contábil do devedor empresário pretendente ao benefício legal da recuperação judicial mostra-se de fundamental importância em diversas etapas do referido processo de soerguimento econômico-financeiro, possibilitando a análise preliminar a respeito da viabilidade da empresa recuperanda e à verificação dos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, por exemplo.
Entretanto, mostra-se evidente que, diante da a publicidade dos atos processuais (CF, art. 5º, inc. LX), a instrução da petição inicial da recuperação judicial com as demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios e, ainda, com a indicação da escrituração de cada transação comercial pendente (LRF, art. 51, incs. II e III), implicaria em uma exposição desnecessária da recuperanda que, visando obter o referido benefício legal, ver-se-ia obrigada a sacrificar sua privacidade corporativa, tornando público e acessível a quem quer que seja, todas as informações relativas a operações financeiras e negociais até então realizadas.
Isso porque, registrados os seus atos constitutivos perante o Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial), a pessoa jurídica, tal como as pessoas físicas que lhe constituem, passa a ser detentora da chamada personalidade jurídica, conceituada por Rubens Limongi França como “as faculdades jurídicas cujo objeto são os mais diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem como seus prolongamentos e projeções”[1], passando, desde então a, em nome próprio, adquirir direitos e obrigações na vida civil.[2]
Vê-se que a razão legal de tal atributo sofre variação na medida em que seja ele titularizado pela pessoa natural ou pela pessoa jurídica, de maneira que, no primeiro caso, encontrar-se-á firmemente associado à dignidade da pessoa humana, enquanto que, no segundo, constituir-se-á exclusivamente pelo potencial ou efetivo prejuízo econômico causado à empresa perante o mercado.
Dessa forma, diante da irrefutável e já consolidada atribuição de direitos de personalidade à pessoa jurídica, é importante ressaltar que seu exercício, por razões óbvias e de ordem prática, se voltará essencialmente à esfera corporativa, sendo claramente amparado por sólidas construções legais de ordem constitucional e infranconstitucional, doutrinárias e jurisprudenciais.
Nesse sentido, há de se salientar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, é sobremaneira clara e inclusiva ao apontar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, de onde decorre a evidente interpretação de que todas “as pessoas”, tanto a natural quanto a jurídica, são titulares do direito de personalidade à vida privada, muito bem definido no magistério de Marcelo Novelino, abaixo colacionado:
A Constituição protege a privacidade (gênero) ao reconhecer como invioláveis a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas (espécies), assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[3]
No que tange à diferenciação entre os conceitos de vida privada e intimidade, bem assevera Marcos Soares da Mota Silva que:
O conceito de vida privada é mais amplo do que o de intimidade da pessoa. Pode-se dizer que a vida privada é composta de informações, as quais cabe somente ao seu titular escolher se as divulga ou não. Já a intimidade está relacionada ao modo de ser da pessoa, à sua identidade, que pode, muitas vezes, ser confundida com a vida privada. Pode-se dizer, portanto, que dentro da vida privada ainda há a intimidade da pessoa.[4]
Por sua vez, o artigo 52 do Código Civil, claramente assevera que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. Tanto isso é verdade que a Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça coloca uma pedra sobre a questão ao apontar que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, ou seja, salvaguardados os direitos de personalidade destinados à proteção dos atributos e aspectos físicos e emocionais da pessoa natural, todos os outros serão igualmente aplicados à pessoa jurídica.
Nesse sentido, merece especial destaque a definição trazida pelo magistério de Antônio Carlos Morato, que entende os direitos de personalidade “como direitos que versam sobre a própria pessoa e seus reflexos e que são reconhecidos à pessoa humana e atribuídos à pessoa jurídica”.[5]
É exatamente por esse motivo que o artigo 51, §1º, da Lei nº 11.101/2005 bem assevera que “os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado”.
Andou bem o legislador ao restringir o acesso às informações contábeis tão somente ao Juízo Recuperacional, ao Administrador Judicial e, tão somente após autorização judicial, a qualquer interessado, haja vista que o fato da pessoa jurídica peticionária estar em pleno processo de recuperação judicial, efetivamente, não mitiga de forma alguma seu direito à privacidade, aqui compreendida como vida privada, sendo certo que, se antes da propositura do referido benefício legal suas informações e documentos contábeis se encontravam abarcados pelo sigilo que lhes era próprio, há de se chegar à evidente conclusão de que igual, ou até mesmo maior, proteção deve ser a eles destinados agora, haja vista sua situação de evidente fragilidade, motivada pela crise econômico-financeira que atravessa.
Sendo assim, pode-se afirmar que, atualmente, o devedor empresário desejoso de valer-se da recuperação judicial de empresas para a superação de sua crise econômico-financeira pode fazê-lo com tranquilidade, sabendo que seus dados contábeis e informações negociais não serão devassados pela curiosidade alheia de curiosos e, principalmente, por seus concorrentes.
O escritório Marcos Martins Advogados tem atuado com elevado sucesso tanto para coibir lesões quanto para restabelecer o direito à indispensável privacidade corporativa de seus clientes, utilizando-se dos primados legais, doutrinários e jurisprudenciais necessários para a satisfação de tal atributo da personalidade jurídica da empresa em recuperação judicial, destacando nosso sempre presente compromisso com a atualização e qualidade de serviços prestados.
[1] FRANÇA, Rubens Limongi. Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais. Revista do Advogado, São Paulo, n. 38, dez. 1992, p. 5.
[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 382.
[3] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2009, p. 396.
[4] SILVA, Marcos Soares da Mota. Direito constitucional para concursos (Série aprova concursos). 2. ed. Curitiba: IESDE, 2011, p.45.
[5] MORATO, Antônio Carlos. Quadro geral dos direitos de personalidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 106/107, jan./dez. 2011/2012, p. 124.