Gabriela de Ávila Machado
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
É de conhecimento de todos que a crise trazida pela pandemia da COVID-19 trouxe e ainda poderá trazer efeitos insanáveis às pessoas e organizações. Temos que ter em mente que, mesmo após a pandemia, com o advento da vacina, a sociedade, como um todo, ainda vai sentir efeitos da crise. Ainda importante também salientar que a crise trouxe alterações significativas em diversas normas, sejam elas temporárias, experimentais ou permanentes. Devemos encontrar formas para lidar com novo cenário econômico e jurídico.
Neste artigo, pretendemos abordar brevemente como os programas de compliance, ou “Programas de Integridade”, podem se mostrar uma medida eficaz para ajudar no durante e após uma crise.
Entendido como o dever de estar em conformidade com atos, normas e leis, o termo “compliance” na verdade é ainda mais amplo. Ele engloba uma questão ética, de integridade. Se o quesito integridade for negligenciado por uma empresa, ela pode vir a sofrer multas altíssimas, além, claro, de danos incalculáveis, inclusive na sua imagem.
O Decreto 8420/2015, que regulamenta a lei 12.846/2013 – conhecida como Lei Anticorrupção, o instituto do “Programa de Integridade”, que nada mais é do que o “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.
O Programa de Integridade de uma organização tem os seguintes pilares trazidos pela Corregedoria Geral da União na sua publicação “Programa de Integridade – Diretrizes para Empresas Privadas”[1]:
- Comprometimento e Apoio da Alta Direção.
- Criação de uma Instância responsável pelo Programa de Integridade.
- Análise de perfil e riscos, de acordo com o porte e especificidades da organização.
- Estruturação das regras e instrumentos (Código de Conduta, Políticas, comunicação e treinamento, canais de denúncia, dentre outros); e
- Estratégias de monitoramento contínuo.
Em tempos de crise, no entanto, a definição de compliance e a necessidade de um programa robusto se expande ainda mais e passa a incluir aspectos de governança, transparência e controles internos. Segundo Cláudio Carneiro, Presidente da Comissão de Compliance e Governança do IAB, o programa se mostra como uma boa “ferramenta para uma gestão eficiente, e não, simplesmente, como um instrumento de combate à corrupção”.
Como exemplo, veja o home office. Essa “nova” forma de trabalho deve trazer uma maior preocupação do empregador com relação à confidencialidade das informações. Esse é apenas um dos exemplos. Estamos passando por um momento de crise e isso leva com que muitas regras e/ou procedimentos estão sendo flexibilizados, se não esquecidos.
Boas práticas gerais
Assim, outras boas práticas devem ser incluídas no dia a dia da empresa, para que possamos passar pela crise com o mínimo possível de consequências:
- Como o primeiro pilar descrito acima, suporte e verdadeiro comprometimento da alta administração – conhecido como “tone from the top”. O exemplo vem de cima. Os funcionários e colaboradores se espelham em seus líderes, ainda mais em momento de crise;
- A crise levou à necessidade de algumas empresas contratarem de forma urgente. Isso não quer dizer que uma due diligence mínima não deve ser realizada. Não podemos deixar de conhecer qual o prestador de serviço que estamos contratando;
- Monitoramento de riscos de forma mais constante;
- Revisão do Código de Conduta e das políticas institucionais. Elas estão condizentes com nosso cenário atual? Com o cenário pelo qual a empresa está passando?
- Novos treinamentos do pessoal sobre os procedimentos internos da companhia é importante reforçar que as regras de compliance e integridade continuam valendo. Os treinamentos podem ser realizados de forma virtual, não deixe de aplicá-los;
- O home office faz com que os colaboradores usem meios de comunicação informais, como Whatsapp. Importante que a empresa se comunique com os colaboradores para que estes continuem utilizando os canais de comunicação corporativos, isso permitirá um registro correto das atividades e discussões ocorridas durante o período da crise;
- Registre todas as decisões acerca de exceções a regras internas, com seus respectivos fundamentos.
Outro ponto de atenção é no caso de processos de reestruturação e operações de M&A. Como Márcio Monteiro Gea e Guilherme Traub explanaram, o instituto da due diligence nesses casos é ainda mais importante, “não só para avaliação do histórico da empresa em relação à prática de ilícitos e violação de regras de integridade, mas também para um exame mais acurado das operações da organização durante a pandemia”[2].
Relacionamento com a Administração Pública
Sabemos que o governo tem publicado diariamente leis e regras destinadas a atender a sociedade nessa fase. Muitos procedimentos têm sido flexibilizados, inclusive procedimentos licitatórios e contratações públicas. Inobstante essa flexibilização, requisitos legais mínimos ainda são exigidos. A empresa que contrata com a Administração Pública deve estar atenta às alterações na legislação e nos procedimentos de contratação.
Mas não é só com as alterações na legislação que devemos nos preocupar. O ambiente de crise pode fazer com que algumas pessoas cedam à pressão de metas, por exemplo. Isso pode ser um facilitador para a prática de irregularidades e a não-observância de regras. É indispensável, portanto, que a companhia registre todas as tratativas com a Administração Pública.
Conclusão
A Lei Anticorrupção determina que uma pessoa jurídica pode responder por um crime praticado por seus representantes, de forma civil ou administrativa, podendo sofrer prejuízos monetários.
Mas não é só isso, também existem os danos à reputação da empresa, que podem, numa análise a longo prazo, ser até pior que o prejuízo causado por uma multa imediata.
Por fim, se prepare para o pós-crise. É importante pensar sobre o passado da empresa, e sobre o presente, mas não deixe de se planejar para o amanhã. A pandemia vai acabar, mas seus efeitos poderão ser sentidos por um longo período, é importante que estejamos prontos para o que está por vir.
[1] CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas. Brasília, set.2015. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.
[2] GEA, Márcio Monteiro; TRAUB, Guilherme. Medidas de compliance e governança em tempos de covid-19 e as normas societárias emergenciais de março e abril de 2020. Migalhas, 21 abr. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/325121/medidas-de-compliance-e-governanca-em-tempos-de-covid-19-e-as-normas-societarias-emergenciais-de-marco-e-abril-de-2020. Acesso em: 27 ago. 2020