Giulia Keese Montanhesi
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
Em Sessão Deliberativa Extraordinária virtual de 21/05/2020, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, o Projeto Lei nº. 1.397/2020, de autoria do Deputado Hugo Leal (PSD-RJ). O Projeto que busca instituir medidas de caráter emergencial para prevenir a crise econômico-financeira de agentes econômicos, atingindo sobremaneira os contratos empresariais e as recuperações judiciais em curso, além dos setores de infraestrutura e mercado de capitais.
Caso aprovado o Projeto teria caráter transitório vinculado seus efeitos ao estado de calamidade pública decorrente do Covid-19, trazendo significativas alterações ao regime jurídico da recuperação judicial e extrajudicial, das obrigações, dos contratos e do instituto da falência.
Apresentado em 01/04/2020, o Projeto de Lei tramita em regime de urgência e aguarda agora apreciação pelo Senado Federal.
Quanto a sua abrangência, importa ressaltar que as diretivas da proposta se dirigem aos “Agentes Econômicos”, amplamente considerados como “toda pessoa jurídica de direito privado”, ainda que não empresária, como sociedades simples, associações, fundações, partidos políticos, instituições religiosas, sociedades de advogados, além do “empresário individual, o produtor rural e o profissional autônomo”, que se encontrarem devedores.
Note, entretanto, que suas disposições não se aplicam às obrigações decorrentes de atos cooperativos e o Sistema de Prevenção à Insolvência (disciplinado no Capítulo II) não abrange o agente consumidor final de produto ou serviço.
Adiante, trataremos dos pontos mais relevantes do texto substitutivo (redação já aprovada e assinada pelo Relator Deputado Isnaldo Bulhões Jr. – MDB-AL), que segue para deliberação do Senado.
Suspensão legal dos prazos:
A primeira medida instituída é a suspensão legal de determinados prazos e obrigações que tenham sido afetadas pela Pandemia, para fomentar a negociação e a auto composição em matéria contratual, obrigacional e recuperacional.
Em seu artigo 3º e seguintes, o Projeto de Lei visa suspender, durante 30 dias as ações judiciais de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações (vencidas após a data de 20/03/2020), bem como a propositura de ações revisionais, resolução unilateral de contratos bilaterais, excussão judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias, coobrigações, decretação de falência e cobrança de multas decorrentes da mora.
Para os parlamentares, as medidas permitem ao devedor buscar a renegociação de obrigações e dívidas de forma extrajudicial, consensual e direta com seus credores, visando desinflamar o Judiciário durante o período de retração econômica vivenciada na Pandemia (Exposição de Motivos do PL).
O setor de infraestrutura e o mercado financeiro, contudo, têm suas ressalvas, especialmente no que se refere aos impactos destas medidas nos mercados de derivativos e outros contratos financeiros, em razão da possível restrição de acesso das empresas brasileiras aos mercados de derivativos internacionais e financiamento de projetos de infraestrutura por capital estrangeiro.
Sem prejuízo dos diversos benefícios do PL, entendemos que ao deixar de excepcionar ou dar disciplina própria aos contratos de derivativos no rol do artigo 3º (especialmente do inciso II, §1º) a suspensão legal dificulta sua concretização, uma vez que estes contratos, por natureza, se baseiam em cláusulas de vencimento antecipado (um inadimplemento provoca o vencimento de todas as operações) e garantias.
Pautando-nos pela razoabilidade, teríamos mais vantagem nesta retração econômica – e também no cenário internacional — ao valorizar e proteger operações de crédito, excetuando-se da suspensão legal determinadas obrigações financeiras e contratos de garantias.
Negociação Preventiva:
Além da suspensão, o Projeto institui um novo procedimento de jurisdição voluntária, que visa proteger os devedores em face das execuções e pleitos dos credores: a negociação preventiva.
A negociação preventiva (artigo 6º e seguintes do PL) se revela um segundo mecanismo de prorrogação de prazos, de manejo mais restrito e idealizada para casos em que a suspensão legal não se apresente suficientemente vantajosa. Este procedimento será conduzido pelo Poder Judiciário e está condicionado à demonstração de iniciativas concretas do devedor para composição consensual com seus credores.
Em até 60 dias após o término da suspensão legal anteriormente mencionada, o devedor poderá suscitar e propor a negociação preventiva para obter mais 90 dias de suspensão dos prazos de suas obrigações, sob uma série de requisitos e condições.
Desde que o devedor traga elementos fáticos quanto aos impactos da Pandemia nas suas atividades empresariais e efetivos esforços de negociação das dívidas com os seus credores, o juiz determinará a nova prorrogação, que somadas à suspensão legal, podem alcançar até 180 dias, no máximo.
O pedido deverá ser distribuído ao juízo competente para processamento da execução ou da recuperação empresarial e interromperá inclusive medidas judiciais executivas em face do solicitante.
Nada obstante, atente-se que nem todo agente econômico pode pleitear o procedimento. A negociação preventiva somente será permitida ao devedor que comprovar redução igual ou superior a 30% (trinta por cento) de seu faturamento, comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior.
Alterações nos Procedimentos de Recuperação Extrajudicial e Judicial
Para além das prorrogações dos prazos obrigacionais e contratuais, a proposta apresenta mudanças temporárias, porém significativas no âmbito recuperacional e falimentar.
Em sua parte final, propõe alterações à lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência da sociedade empresária (Lei 11.101/05) e sua aceitabilidade se mostrou controversa no meio jurídico.
Vejamos algumas das mudanças:
i. O quórum exigido para aprovação de plano de recuperação extrajudicial será reduzido para a metade mais um dos créditos de cada espécie (51%) abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial;
ii. As obrigações previstas nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores, não serão exigíveis do devedor pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias;
iii. Passa a ser autorizada a apresentação de novo plano de recuperação judicial ou extrajudicial, tendo sido homologado em juízo ou não o plano original;
iv. O plano de recuperação aditado poderá sujeitar créditos posteriores ao anterior pedido de recuperação judicial ou extrajudicial;
v. Alteração do limite mínimo para a decretação da falência para R$ 100.000,00 (cem mil reais), na data do pedido de falência;
vi. Poderão pretender a recuperação extrajudicial ou judicial os devedores que tenham obtido, há menos de 5 (cinco) anos, a concessão de recuperação judicial, e há menos de 2 (dois) anos, homologação do plano de recuperação extrajudicial; e
vii. Modificações no plano especial de recuperação judicial de microempresa e de empresa de pequeno porte, como:
- (a) o parcelamento dos débitos em até 60 (sessenta) parcelas mensais, iguais e sucessivas, admitida a concessão de desconto ou deságio;
- (b) o pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial ou de seu aditamento;
- (c) a apresentação de objeções pela maioria dos credores não mais acarretará a decretação da falência, mas sim a extinção do processo sem julgamento do mérito.
As alterações também foram alvo de questionamentos, com ênfase no artigo 12º, que trata de apresentação de novo plano de representantes de credores, com inclusão de créditos posteriores ao plano original.
O conteúdo deste item – se promulgado sem maiores esclarecimentos sobre qual o tratamento será dado ao credor que teve seu crédito incluído após o plano original — poderá acarretar prejuízos ao processo, como por exemplo a diluição dos credores e maior descrédito ao processo de recuperação judicial.
Em uma perspectiva geral, as disposições afetam em muito a discricionariedade das partes (devedor e credores) no desenho do plano de recuperação, e por consequência, diminuem a própria autonomia privada destes entes em matéria empresarial recuperacional. Assim, ainda que toda proposta para dar folega às empresas e proteger sua sobrevivência em tempos de pandemia seja válida e reconhecida, a interferência estatal neste caso deve ser recebida com ressalvas e muitas cautelas pelos credores e pelas próprias recuperandas.
Nesse contexto, as empresas devem continuar atentas aos riscos de suas obrigações inadimplidas e práticas comerciais futuras, pois as alterações emergenciais e transitórias promovidas pelo PL quanto à aplicação dos prazos de execuções obrigacionais e na Lei de Recuperação Judicial e Falência não representam qualquer tipo de escusa em virtude da pandemia de Covid-19, apenas dão motivos ainda maiores para priorizar o planejamento empresarial.
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