Fernando Luiz Tegge Sartori
Advogado do escritório Marcos Martins Advogados
O processo de recuperação judicial é uma alternativa legal às empresas que atravessam momentos de dificuldades, que não obtiveram êxito em reestruturar a sociedade empresária em negociações extrajudiciais e com medidas administrativas, visando uma negociação coletiva e supervisionada pelo poder judiciário para a reestruturação da empresa.
Referida reestruturação da empresa, por intermédio da Recuperação Judicial, exige da sociedade empresária uma série de requisitos para que o seu pedido seja deferido pelo juízo em que tramitar o processo, especialmente com o cumprimento dos requisitos dos artigos 48[1] e 51[2], ambos da lei 11.101/2005.
Cumpridos os requisitos dos artigos 48 e 51 da lei 11.101/2005, o juiz deferirá o processamento da Recuperação Judicial, nos termos do art. 51 da lei 11.101/2005[3].
A sequência processual indica que o devedor apresentará o seu plano de recuperação judicial (art. 53 da lei 11.101/2005[4]), que será levado à deliberação dos credores reunidos em Assembleia Geral de Credores (art. 35[5] e seguintes) e, se aprovado (art. 42[6]), será submetido ao MM. Juízo no qual tramita o processo para a realização do controle de legalidade a posterior homologação do PRJ (art. 58[7]). Homologado o PRJ, o devedor permanecerá em recuperação judicial pelo prazo de 2 anos (art. 61[8]) ou até o encerramento do processo, caso ultrapasse esse período indicado na lei.
No entanto, durante todo esse procedimento, qual é o papel do juiz no processo de Recuperação Judicial? Ele deve somente observar o cumprimento dos requisitos legais ou deve interferir em todos os atos do processo, inclusive negociais?
Poderia, por exemplo, receber uma petição inicial, instruída com toda a prova de cumprimento do art. 48 e documentação do art. 51 e, com base no seu livre convencimento, indeferir o pedido de Recuperação Judicial com julgamento do mérito?
Quanto ao ponto, quer nos parecer que a atuação do poder judiciário no processo de Recuperação Judicial deve ser na condição de supervisor dos debates processuais, garantindo o cumprimento da lei 11.101/2005, tanto em relação aos prazos indicados na lei, quanto em relação aos requisitos nela elencados.
A recuperação judicial é um concurso de credores, uma reunião de todos os credores em um único processo e a pedido do próprio devedor, o que, por si só, demonstra o ânimo do devedor em negociar, resolver suas pendências e se reestruturar para contornar a crise vivenciada.
O próprio plano de recuperação judicial tem natureza de contrato, portanto negocial entre as partes do processo. O intuito da lei é justamente esse, de proporcionar às partes uma negociação coletiva, sob a supervisão do poder judiciário e com objetivo de superação da crise da devedora requerente.
Dessa forma, não deveria um juiz indeferir um pedido de recuperação judicial de empresa que cumpriu todos os requisitos previstos nos artigos 48 e 51 da lei 11.101/2005, por seu livre convencimento, sem que tenha feito uma perícia, sem que tenha solicitado esclarecimentos e/ou documentos suplementares e sem que tenha contado com auxílio técnico para negar um pedido de Recuperação Judicial.
Nesse sentido está o enunciado 46 da I Jornada de Direito Comercial:
Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.
A própria legislação indica a objetividade com a qual o juiz deve analisar o pedido, posto que em seu artigo 52, consta que “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial”.
Neste sentido, observa-se que muitas empresas tecnicamente falidas, se submetidas à análise fria de seu balanço ou fluxo de caixa, tiveram recuperações judiciais exitosas, visto que o ambiente negocial seguro proporcionado pelo processo, permitiu a venda de unidade operacionais, com a consequente preservação da atividade empresarial e dos postos de trabalho.
Igualmente, com relação às diversas discussões processuais, defende-se que o juiz deve respeitar a negociação existente no processo e se manifestar especialmente quando provocado pelas partes, mormente para julgar os casos controversos, as discussões relativas aos créditos ou, de ofício, se constatada alguma ilegalidade intentada pelas partes do processo.
Tal ideia deve ser aplicada em relação ao plano de recuperação judicial, sob o qual o juiz não deverá interferir em discussões negociais, dado o caráter contratual do plano. Nesse aspecto, o juiz deverá, em controle de legalidade, analisar disposições da proposta que eventualmente violem dispositivos legais e então manifestar-se sobre anulação de cláusula específica do plano.
O artigo 58 da lei 11.101/2005 indica qual é a atuação do juiz quando da execução do controle de legalidade, quando sustenta que “cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial (…)”.
A legislação é objetiva nesse ponto e não indica que o juiz deve interpretar a documentação relacionada nos autos, e sugere que a atuação do poder judiciário, nesse ponto, deve ser restrita a observar se documentos foram apresentados ou não, sem entrar no mérito da qualidade do que fora apresentado pelo devedor.
Por todo o exposto, o papel do juiz que melhor se enquadra ao espírito da lei 11.101/2005 é o de supervisão do processo e fiscalizador do cumprimento da legislação, sem qualquer interferência no processo relativa à condição financeira e capacidade de pagamento da empresa ou relativa às condições de negociação.
Tal sistemática, por vezes, não é observada, de forma que se faz necessária a interposição de recursos, visando o regular prosseguimento conforme a legislação vigente.
O
escritório Marcos Martins Advogados está sempre atento às discussões
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[1] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. § 1º A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. § 2º Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.
[2] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
[3] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial (…);
[4] Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência (…);
[5] Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: I – na recuperação judicial: a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; c) (VETADO) d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei; e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.
[6] Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.
[7] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
[8] Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.