O Senado Federal aprovou em 25 de novembro um projeto de lei de reforma da Lei de Recuperações e Falências, que aguarda sansão pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto traz muitos avanços em relação à redação atual, que é de 2005. As reformas foram tão amplas, que a comunidade passou a se referir à Nova Lei de Recuperações e Falências, mesmo que não se trate efetivamente de uma nova lei ou novo sistema, dado o grande número de mudanças na lei existente.
Um primeiro ponto de inovação que a reforma trouxe é o do ajuste do procedimento para torná-lo mais ágil e menos sujeito a suspensões e loopings. Uma lei nunca é um fato isolado; ela se insere num sistema jurídico e com ele interage. Por esta razão, a forma do procedimento na redação original da Lei acabava por resultar num processo moroso e prejudicial tanto à superação da crise pelas empresas quanto da recuperação de ativos pela coletividade de credores.
A agilidade no procedimento foi buscada não somente na mudança de prazos dentro do rito, mas também com a ampliação das possibilidades de negociação; ou com a maior agilidade para o retorno do empresário falido ao mercado, dando ênfase ao empreendedorismo como um valor econômico. Dessa forma, a economia será favorecida, já que o processo será potencialmente mais rápido e visará manter a atividade econômica em movimento naquilo que for viável e racional.
Originalmente, um processo de recuperação de empresas foi pensado para durar aproximadamente de três a seis meses, até a aprovação do Plano de Recuperação. Ocorre que, na prática, em razão do Sistema Processual e Judiciário Brasileiro, existem muitos casos de recuperações que ultrapassam o prazo. E, na grande maioria destes casos, podia-se observar também uma longa suspensão de ações e de outras iniciativas dos credores para tentar reaver seu crédito.
A nova Lei, tentando corrigir estas distorções com relação à suspensão de prazo traz que em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, excepcionalmente prorrogável sem culpa da recuperanda. Contudo, não é afastada, de imediato, através do Poder Geral de Cautela, o Judiciário prorrogar a suspensão para além do prazo da nova regra.
Um ponto positivo da nova Lei é que o Brasil parece finalmente sair do isolamento jurídico, aumentando as garantias às empresas com negócios transnacionais, que passam a ser disciplinados em conformidade com a Lei Modelo da UNCITRAL. Já em 2005, quando da aprovação da redação original, a omissão do tema da insolvência transfronteiriça foi alvo de muitas críticas. Uma correção que é feita nesse momento e torna o país mais atraente para empresas que realizam negócios além das fronteiras brasileiras.
Uma das inovações mais esperadas e celebradas, que também havia sido negligenciada na redação original, diz respeito ao DIP Financing, uma modalidade de financiamento especial para empresas que estão em processo de recuperação judicial. Seu objetivo é fomentar a concessão de crédito para que a empresa recuperanda mantenha suas operações. Com as mudanças, o pagamento desse financiamento passa a ser prioridade caso a recuperanda se torne insolvente e venha a falir, possibilitando maior atratividade da oferta de crédito em situação de distressed.
Mais um aspecto positivo é o reconhecimento e o estímulo dos mecanismos de Mediação e Arbitragem. A partir de agora, a mediação entre a recuperanda e seus credores é estimulada em qualquer fase do procedimento, o que reduz a pressão sobre a decisão do juiz, buscando uma forma de composição mais coerente com a lógica do mercado, já que credor e devedor poderão buscar formas de negociação mais economicamente racionais para ambas as partes do que seria eventualmente uma sentença judicial com mera aplicação da regra jurídica desprovida do feeling do negócio.
O tratamento das dívidas tributárias das recuperandas também foi objeto de reforma. Com relação ao patamar de “deságio”, houve aumento de seu percentual máximo para as grandes empresas. O prazo de parcelamento especial tributário para empresas em recuperação também foi ampliado de no máximo sete anos para no máximo dez anos. Embora tenha sido uma ampliação em favor da recuperanda, não é possível afirmar se tal ampliação será suficiente, posto que o parcelamento não exclui o pagamento dos tributos correntes das empresas recuperandas e precisa estar harmonizado com o fluxo de caixa projetado no Plano de Recuperação.
O consenso entre os juristas sobre o tratamento tributário da empresa recuperanda – se é que existe um firme consenso – é de que os prazos e deságios previstos farão sentido quando a arrecadação tributária passar por uma reforma também, tornando ágil e contemporânea a cobrança de tributos, afastando uma prática nefasta de suspensão de pagamentos destes ao menor sinal de crise numa empresa. Assim, com a aprovação da reforma da Lei de Recuperações e Falências é imperioso que se faça a Reforma Tributária, fazendo o Sistema Jurídico mais coeso e menos sujeito a falhas endógenas.
Um aspecto bastante celebrado pelo meio jurídico é a disciplina do chamado fresh start – que poderia ser traduzido por recomeço, que, de certa maneira, dissocia a pessoa do empresário da empresa insolvente, privilegiando o empreendedorismo, entendendo que aquela empresa, compreendida como atividade econômica organizada sobre os fatores de produção, se tornou inviável e faliu.
Em suma, a nova Lei apresenta avanços bastante significativos, buscando condições mais condizentes com os problemas e percalços que apareceram por aplicação da redação originária, mas, ao mesmo tempo, acabou perdendo a oportunidade de promover outras reformas já muito pedidas pela comunidade jurídica. Cabe a nós, continuar lutando por reformas contínuas, entendendo que as empresas e o mercado são realidades dinâmicas e que o constante monitoramento e aperfeiçoamento de suas regras são favoráveis a toda sociedade.
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