Camila Vieira Guimarães
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
No cenário de pandemia do novo coronavírus, algumas decisões jurisprudenciais chamaram a atenção no tocante à possibilidade de celebração de aditivos aos planos de recuperação judicial originariamente apresentados pelo agravamento da situação financeira da recuperanda.
O artigo 53 da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência) dispõe que a recuperanda deverá, no prazo improrrogável de 60 dias da publicação da decisão que processou a recuperação judicial, apresentar seu plano de recuperação contendo a descrição dos meios de soerguimento, demonstração da viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens e ativos do devedor.
Ocorre que no curso do processo de recuperação judicial, ainda que o plano de recuperação judicial já esteja aprovado e homologado, considerando que o objeto do processo é viabilizar a superação da crise econômica e a preservação da empresa que possui potencial no mercado, circunstâncias atípicas que prejudiquem consideravelmente o cumprimento do plano devem possibilitar sua alteração por meio de aditivo.
É a aplicação da teoria da imprevisão, contida no art. 478 do Código Civil, que admite resolução ou revisão da obrigação em caso de acontecimento extraordinário e imprevisível, caso a prestação de uma das partes torne-se excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra.
A título exemplificativo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu pedidos de modificação do plano de recuperação judicial de empresas que tiveram seu regular funcionamento afetado pela pandemia, como, por exemplo, alterando cronogramas de pagamento.
Recentemente, uma decisão isolada da 2ª Vara Cível do TJSP determinou que a recuperanda atuante no ramo hospitalar apresentasse aditivo de pagamento aos credores do plano de recuperação judicial em razão de ganhos extraordinários durante a pandemia.
Ocorre que referida decisão confronta institutos e princípios jurídicos basilares, tais como a inércia da jurisdição, as premissas de onerosidade e vantagem, além da soberania da assembleia geral de credores.
A análise do fator de externalidade deve ser primordial para verificação da necessidade de modificação do plano de recuperação judicial. A alteração de demanda e oferta mercadológica deve compreender tempo e custo razoável que justifique alterar o plano originário submetido a todos os consectários legais para aprovação.
De rigor a publicação da modificação ao plano de recuperação judicial para conhecimento dos credores, os quais terão o prazo de 30 dias para que possam manifestar-se sobre o aditivo. Em caso de discordância de um ou mais credores, deverá ser convocada assembleia geral de credores para deliberação, especificamente, acerca do plano modificado.
A alteração do plano de recuperação judicial poderá transcorrer, também, por exigência do Poder Judiciário. Em que pese a supremacia da assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial, as decisões estão sujeitas ao controle de legalidade exercido pelo Judiciário.
Assim, é concludente a possibilidade de alteração do plano em razão de circunstância superveniente que prejudique na recuperação da empresa. Referida possibilidade vai ao encontro dos princípios que regem a Lei de Recuperação Judicial e Falências, em especial, o princípio da preservação da empresa e da função social, possibilidade que compactua ainda com o fluxo do mercado que requisita prementes adequações para manutenção das atividades empresariais.
De todo modo, é preciso ter cautela para que a modificação do plano não seja proveniente de externalidade provisória e corresponda à obtenção de proveito econômico de uma parte em detrimento da outra, devendo a modificação sempre buscar a equalização da relação entre as partes, oportunidade em que o Judiciário desempenha papel solene ao atuar no controle da legalidade das novas condições do plano, tutelando a boa-fé e os interesses de todos os envolvidos no processo.
O Escritório Marcos Martins Advogados reafirma o compromisso de excelência na prestação de serviços jurídicos, acompanhando entendimentos jurisprudenciais capazes de assegurar maior segurança e identificação de potenciais riscos e benefícios na tomada de decisão de seus clientes.