Sibele de Oliveira Pimenta
Advogada do Escritório Marcos Martins Advogados
A Lei Ordinária Federal 13.467/2017 [1], a qual introduziu a “Reforma Trabalhista” no ordenamento jurídico, completou seis meses de vigência no último dia 11 de maio, e o que vimos, de fato, nesse primeiro semestre, foram mais discussões intelectuais acerca de sua constitucionalidade do que efeitos de sua aplicabilidade propriamente dita.
Senão bastasse, o término da Medida Provisória 808/17 a partir de 23/04/2018, também aumentou o número de questionamentos, pois seu texto trazia importantes esclarecimento à diversos pontos obscuros da Lei nº 13.467/2017, como a aplicabilidade da reforma aos contratos de trabalho vigentes e tratava de pontos polêmicos como atividade insalubre por gestantes e lactantes, acordo individual para jornada de 12×36, contribuição provisória e com sua queda, voltou a valer o texto da Lei como publicado, como se nunca tivesse existido a Medida Provisória citada.
No judiciário, os magistrados, amparados pelos Enunciados da Anamatra – a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, resistem a aplicação da Lei nº 13.467/2017, sob o principal argumento de que várias alterações impostas são inconstitucionas e que esta não se aplica aos processos interpostos antes da Reforma trabalhista, a mesma não se aplica, entendimento esse aplicado inclusive quanto à matérias processuais, como custas e honorários sucumbenciais.
Nesse contexto, empregadores e trabalhadores brasileiros, se perguntam sobre os efeitos reais das mais de cem alterações da Lei nº 13.467/2017 à Legislação Trabalhista (CLT), o que afinal mudou ou mudará efetivamente na complexa relação empregado versus empregador? Estariam os trabalhadores privados de importantes direitos sociais e abandonados à própria sorte? Passariam os empregadores a terem seu sono devolvido, sem temer as reclamações trabalhistas e suas condenações vultosas?
As incertezas são muitas e não espera esse mero artigo adentrar na tortuosa discussão acerca da eliminação ou da redução de conquistas sociais históricas, até porque o trabalho digno é resguardado pela Carta Magna e isso não é passível de qualquer questionamento. Qualquer alteração, mesmo que legal, não poderá se sobrepor aos direitos fundamentais e ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, caberá decidir o que a afronta ou não, expurgando as reais inconstitucionalidades contidas na lei da reforma trabalhista, enquanto isso as incertezas dividem opiniões.
Mas a reflexão trazida aqui nessas linhas é mais simplista e percorre os corredores dos Fóruns Trabalhistas e suas primeiras decisões, para apontar os principais reflexos das mudanças impostas pela Reforma Trabalhista, nesses primeiros seis meses e o que efetivamente alterou na rotina do empregador e dos seus empregados?
Primeiramente é preciso esclarecer que, ao contrário do que ocorre com as normas de direito material, as leis processuais produzem efeitos imediatos, devendo a nova norma ser aplicada nos processos em andamento e não somente aqueles que se iniciarem a partir da vigência da nova lei (teoria do isolamento dos atos processuais), matéria esta inclusive tratada pela CLT em seu artigo 912 e o CPC seus artigos 14 e 1.046. Assim, quanto às regras processuais, a aplicação da Reforma Trabalhista é imediata, já quanto as regras de direito material, são aplicadas as vigentes à época do contrato de trabalho. Logo, as primeiras mudanças evidentemente são mais visíveis no aspecto processual.
Com uma redução estimada em quase 50%, o principal efeito trazido pela Reforma Trabalhista sem dúvida é a redução do número de distribuição de reclamações trabalhistas. As incertezas trazidas pela nova Lei vieram acompanhadas de cautela de ambas as partes.
Uma das novidades trazidas pela Reforma Trabalhista é a necessidade de liquidação dos pedidos. De acordo com a nova redação, a regra de exceção se transformou em regra geral, passando a exigir que o valor dos pedidos conste expressamente na petição inicial, devendo o valor da causa corresponder ao somatório dos mesmos.
Embora o texto legal seja claro e não deixe dúvida para interpretação diversa, o que vemos no dia-a-dia é que a maioria das Reclamações Trabalhistas distribuídas já na vigência da Lei nº 13.467/2017, ainda não estão sendo liquidadas, ignorando o disposto no § 1º do art. 840 da CLT. Porém, se alguns magistrados acabam concedendo prazo para emenda das petições ajuizadas em nome da proteção do princípio da não surpresa, outros sequer acolhem as preliminares de inépcia em nome do acesso à justiça.
Outra mudança importante, foi a imposição de pagamento das custas pelo Reclamante que faltar a audiência injustificadamente, ainda que beneficiário da Justiça Gratuita. O pagamento agora é pressuposto para distribuição de nova ação.
Pela antiga redação, quando o reclamante não comparecia na audiência inicial injustificadamente, a consequência era simplesmente o mero arquivamento do processo. Já com a Reforma Trabalhista, o reclamante que faltar à audiência inicial ou Una injustificadamente, desejando renovar a ação, terá de recolher às custas do processo anterior, mesmo que beneficiário da Justiça Gratuita.
A nova Lei também trouxe a condenação da testemunha por litigância de má-fé. De acordo com a nova Lei “Art. 793-D. Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa.”
Com a Reforma Trabalhista, a testemunha, que antes respondia apenas por crime de falso testemunho, passa agora a responder também por perdas e danos se vier a prejudicar às partes. Mas a litigância de má-fé não é apenas aplicada às testemunhas, se estendendo também às partes, inclusive ao Reclamante se beneficiário da justiça gratuita. Alguns julgados recentes inclusive já estão aplicando a penalidade aos demandantes de pedidos que sabidamente não fazem jus como o intervalo do artigo 384 da CLT para o trabalhador homem.
Outro aspecto é a prescrição intercorrente, que veio para a Justiça do Trabalho de forma expressa com a inclusão do artigo 11-A na CLT. A alteração introduzida pela reforma trabalhista, com impacto não apenas nas ações futuras, mas também naquelas que estão em curso, resolveu a insegurança jurídica instalada pelo debate doutrinário e jurisprudencial quanto a incidência da prescrição intercorrente no processo do trabalho em face da inatividade do exequente por mais de dois anos.
Outro ponto polêmico da Reforma Trabalhista foi o fim da contribuição sindical obrigatória, afastando a compulsoriedade da contribuição sindical, pois uma vez afastada a obrigatoriedade nesta prestação pecuniária, não há que se falar em contribuição sindical como tendo natureza tributária a partir da Lei 13.467/2017, não mais se adequando à definição de tributo.
Portanto, os descontos a título de contribuição sindical agora, assim como a assistencial e confederativa, só podem ser realizados mediante prévia é expressa autorização do trabalhador, divergindo os juristas sobre a possibilidade desta autorização apenas ser individual ou também coletiva.
Os Sindicatos temerosos em perder sua principal fonte de renda se organizaram em assembleias, oficiando empresas sobre as autorizações coletivas, resguardados pelo Enunciado da 38, da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
A Reforma Trabalhista instalou um verdadeiro paradoxo ao tornar facultativa, contribuição que a constituição assegurou a natureza de tributo, implicando em discussão calorosa acerca da constitucionalidade da Lei Ordinária nº 13.467/2017. Contudo, independente de discussões, o fato é que a Contribuição Sindical não pode mais ser exigida sem a anuência prévia e expressa dos empregados. Ou seja, só pode ser cobrada a contribuição sindical se houver a concordância efetiva dos integrantes da categoria, e o fato de ter ocorrido a Assembleia estabelecida para esse fim, não afasta o direito do trabalhador a se opor ao que foi decidido coletivamente, principalmente porque ele sequer participou do ato, sendo fictícia a sua anuência, daí a discussão também acerca da validade do desconto por suposta outorga coletiva oriunda de Assembleia.
Para que não pairem dúvidas, interessante ressaltar, também, que a contribuição sindical somente era imposta, indistintamente, a associados ou não associados à entidade sindical, porque detinha até então natureza tributária, fato esse, repita-se, afastado pela nova redação do artigo 578 da CLT dada pela Lei nº 13.467, de 2017. Então, não é admissível que os sindicatos ignorem as disposições legais vigentes disciplinadoras da contribuição sindical, para simplesmente cobrarem, sem qualquer autorização prévia e expressa dos empregados, principalmente ao considerar que a liberdade de filiar-se ou não a sindicato relaciona-se com o direto individual constitucionalmente assegurado, que tem por consequência concordar não com o desconto nos salários de qualquer contribuição em favor da entidade de classe, inclusive a contribuição sindical, sendo o trabalhador o maior interessado.
Diante não somente dos temas destacados, mas das diversas repercussões da Reforma Trabalhista, inúmeras são as discussões interpretativas nascidas com a nova Lei. Contudo, o fato é que nos primeiros seis meses de Reforma Trabalhista não há ainda entendimento consolidado sobre as questões, e nem uma interpretação comum entre os magistrados, ou mesmo um posicionamento consolidado na doutrina e na jurisprudência, sendo prematura qualquer conclusão nesse primeiro momento. Enquanto isso, empregado e empregador, juristas e operadores do direito em geral, lindam com a divergência de decisões, enquanto aguardam a primeiras consolidações jurisprudenciais.
[1] BRASIL. Lei nº 13.467, de 03 de jul. de 2017. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Brasília,DF, jul 2017