UMA REFLEXÃO SOBRE O ACUMULO E DESVIO DE FUNÇÃO EM FACE DO ARTIGO 468 DA CLT

Diego Henrique Gonçalves
Advogado do Escritório Marcos Martins Advogados 

O contrato de trabalho é um negócio jurídico como qualquer outro no qual cabem as partes (neste caso, empregado e empregador) a necessidade de observar o uniforme equilíbrio do pacto.

Isto se faz necessário porque o objetivo negociado neste acordo é especial haja vista se tratar do labor humano, sendo impossível separar o objeto transacionado da pessoa que o negocia.

Ocorre que o ser humano é um ser versátil, que facilmente se adaptada a inúmeras situações e tem como qualidade a flexibilidade no desempenhar de qualquer atividade. Por este motivo, é possível que uma mesma atividade seja realizada de diversas maneiras, todas alçando o mesmo objetivo. Isto porque a forma de alcançar um resultado muitas vezes está nas mãos do indivíduo que o manipula.

A questão é: e quando essa versatilidade humana se volta contra o empregado?

Isto, muitas vezes, fica demonstrado quando o empregado pleiteia em juízo uma diferença salarial por ACUMULO DE FUNÇÃO ou por DESVIO DE FUNÇÃO.

Tais pedidos sempre narram o mesmo fato: a descompensação contratual na qualquer resultou em (i) acumulo de tarefas das quais inicialmente não haviam sido previamente negociadas; (ii) mudanças de atividades no decorrer da prestação laboral e (iii) sobrecarga de trabalho haja vista a concentração de atividades em uma só pessoa.

A Lei é extremamente simplória sobre esse assunto. Expressamente, apenas o artigo 456, parágrafo único, da CLT, aplica um conceito genérico ao contrato de trabalho, assim dispondo.

Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito.

Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

E só. Verifica-se que optou a Lei em usar a flexibilidade do ser humano em prol do empregador, sendo que tal restrição nesta flexibilidade laboral só será licita se houver previsão contratual.

Em sentido contrário, a única norma que trata especificamente do assunto é a Lei 6615/78 que regulamenta a profissão de Radialista. Assim dispõe o artigo 13 da aludida Lei:

Art 13 – Na hipótese de exercício de funções acumuladas dentro de um mesmo setor em que se desdobram as atividades mencionadas no art. 4º, será assegurado ao Radialista um adicional mínimo de:

I – 40% (quarenta por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência igual ou superior a 10 (dez) quilowatts e, nas empresas equiparadas segundo o parágrafo único do art. 3º;

II – 20% (vinte por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência inferior a 10 (dez) quilowatts e, superior a 1 (um) quilowatt;

III – 10% (dez por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência igual ou inferior a 1 (um) quilowatt. (grifo nosso)

Verifica-se, portanto, a existência da escassez normativa que fundamente os frequentes pedidos de diferenças salariais pelo acumulo ou desvio de função formulados pelos trabalhadores na justiça do trabalho.

Por este motivo, é muito comum ver decisões que afastam o pedido de diferenças salarias simplesmente por ausência de amparo legal para tanto, in verbis:

RECURSO DA RECLAMANTE. ACUMULO DE FUNÇÃO. Segundo a regra contida no artigo 456, parágrafo único, da CLT, à falta de prova ou inexistindo cláusula contratual expressa, entende-se que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal. Isso porque, no ordenamento jurídico trabalhista, inexiste previsão para a contraprestação de várias funções realizadas para o mesmo empregador, dentro da mesma jornada de trabalho.(TRT-4 – RO: 00011987220105040006 RS 0001198-72.2010.5.04.0006, Relator: MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA, Data de Julgamento: 06/06/2013, 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)

Há de se pontuar que o contrato de trabalho, assim como qualquer contrato, deve guardar um si um segurança jurídica capaz de perpetuar a prestação laborativa sem que qualquer uma das partes seja surpreendida no decorrer do tempo.

Assim, por este motivo, mesmo diante da ausência de fundamento legal, é possível encontrar julgados acolhendo as teses obreiras a fim de afastar o enriquecimento ilícito por parte do empregador. Nesse sentido:

ACUMÚLO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS Na hipótese em que a empresa extrapola sua prerrogativa de variar as tarefas. do empregado, deve cuidar de remunerá-lo pelo trabalho acumulado. Como não o fez, enriqueceu-se ilicitamente, pois se beneficiou da maior carga de responsabilidade imposta ao trabalhador sem lhe dar a devida contraprestação. Responsabilidade pelo pagamento das diferenças inerentes à função de gerência reconhecida, por devidamente. comprovada. Relator: Desembargador Marcelo Antero de Carvalho Recorrente: LUPATECH – EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS PARA PETRÓLEO LTDA Recorrido: CARLOS EDUARDO COUTINHO DIAS RELATÓRIO(TRT-1 – RO: 00012632920135010432 RJ , Relator: Marcelo Antero de Carvalho, Data de Julgamento: 24/09/2014, Décima Turma, Data de Publicação: 02/10/2014)

Logo, conclui-se que, assim como não é justo reduzir o salário de um empregado que passou a ficar mais ocioso por uma queda na demanda do trabalho, também não parece certo que este mesmo empregado seja obrigado a realizar um esforço extraordinário de trabalho não suscitado no inicio do pacto sem o devido reajuste salarial correspondente, ainda que não haja previsão legislativa expressa sobre o tema.

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